domingo, 30 de dezembro de 2007

MÍDIA QUE TE QUERO ABERTA AOS EXCLUÍDOS


Gladis Maia

... o jornalista só não pode perder de vista sua função social no exercício da profissão, mesmo quando há pouquíssimo espaço para exercê-la. Cláudia Werneck in Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva

São vários os motivos pelos quais os jornalistas não trabalham necessariamente com os temas que gostariam, seja na TV, no rádio, no jornal, na revista, na assessoria de comunicação... Dentre eles podemos destacar a censura, como o mais significativo entrave para a questão.
A censura econômica, que ocorre quando os donos dos meios de comunicação ou um patrocinador – ou mesmo todos – não tem interesse pelo assunto, sendo a desculpa que o desinteresse por ele é do público. Censura ideológica, quando a leitura que o comunicador faz do mundo, incluindo aí seu posicionamento político, não vai ao encontro - pelo contrário, vai de encontro – de um ou dos dois segmentos sociais anteriores, e/ou ainda: de algum político influente – ou mesmo um grupo deles - com seus lobbies peculiares à classe, que também auxilia no cerceamento da palavra do comunicador e dos grupos minoritários representados por ele.
Mas, se necessário, drible-se esta malfadada censura que existe, mesmo que não oficialmente, se assim não se fizer o feitiço vira contra o feiticeiro e acaba se instalando no fazer jornalístico a autocensura, que é a pior das suas modalidades.
O jornalista, especialmente os mais jovens, precisam conscientizar-se do seu papel revolucionário que é o de dar vez e voz aos oprimidos, ainda que somente nas entrelinhas, enquanto a mídia não se popularizar, ou seja, servir mais amiúde ao povo e não ao poder, constituído ou não.
Ilustrando a tese do papel social do jornalismo, resumo abaixo a história que serviu de pauta para uma série de reportagens do jornalista Rogério Verzignasse, do octogenário Correio Popular, jornal de Campinas, São Paulo, realizadas no ano de 1994.
As matérias versavam sobre o fato da mãe de Alessandro Augusto Pimentel não conseguir inscrevê-lo para a crisma, que se realizaria com o arcebispo metropolitano de Campinas, D. Gilberto Pereira Lopes, no sábado seguinte, com dezenas de adolescentes, inclusive sua irmã, de 15 anos.
Alessandro, tinha então 14 anos, pesava somente 27 quilos e era portador de atrofia cortical e cerebelar, vivendo o tempo todo brincando, acomodado em um carrinho de bebê. Para D. Zilda – que dizia que apesar do aparente desligamento do mundo o menino reconhecia seus familiares e demonstrava tristeza, alegria ou dor – a crisma era muito importante e por não se conformar com a negativa da Igreja que alegava que no direito canônico rezava que o sacramento só deve ser ministrado às pessoas que fazem uso absoluto da razão, procurou o jornal onde foi ouvida.
Num dos textos da reportagem de capa, ARCEBISPO NEGA CRISMA À DEFICIENTE, Verzignasse diz: Filho de Deus. O Alessandro só tem uma flauta. Plástica, verde. O menino não fala, não lê. Nem poderia testemunhar aos quatro ventos as maravilhas do ministério cristão. Faltam-lhe recursos físicos e a razão, que fazem parte dos seres humanos, como fazem crer nossos clérigos, imagem e semelhança de Deus perfeito.
Ah, mas como a Igreja se engana. O padre José Luis e o arcebispo D. Gilberto, decerto por falta de tempo, não passaram pela residência da família Pimentel. Eles perderam a chance de ver, nos olhinhos azuis de Alessandro, o brilho de quem testemunha o amor. Eles não viram que o menino tem capacidade de sorrir a cada afago da mamãe Zilda, de se alegrar quando ouve a voz da irmã Letícia, de se sentir confortado nos braços da avó Evanilza.
Não, decerto o padre José Luis e o D. Gilberto não viveram a emoção de ouvir o som de uma flauta tocada por aquele pequeno músico de mãos limpas e boca pura. Nossos religiosos não perceberam que o Alessandro não precisa dos serviços da Igreja . Ele vive, e isso já é razão suficiente para atestar a Criação.
A vida supera qualquer das leis que nossos clérigos literatos, por uma razão ou por outra, incluíram nas páginas dos manuais religiosos. Ainda assim, seria impossível confortar a família? Esse direito canônico é assim tão rígido, a ponto de proibir padres e bispos de, caridosamente, crismarem um deficiente para a alegria da comunidade? A situação, tão complicada, talvez requeira uma olhadela na sábia e sagrada colocação de São Paulo: ‘Ainda que eu falasse a língua dos anjos e dos homens, sem caridade eu nada seria.’
A polêmica gerada com a matéria foi tamanha que uma rádio de Campinas colocou um ramal telefônIco ao dispor da comunidade para que se pronunciasse a respeito. Seguiram-se as demais reportagens, por três dias seguintes: DRAMA DE ALESSANDRO COMOVE CAMPINAS; ARCEBISPO DIZ QUE CASO ESTÁ SOB ANÁLISE; ARCEBISPO RECUA E DECIDE CRISMAR DEFICIENTE.
Graças a Deus, houve um final feliz! A família de Alessandro, a mídia e a opinião pública conseguiram crismar Alessandro, coincidentemente – nas minhas concepções não existem coincidências, chamo a isso Providência Divina - no dia 3 de dezembro, data dedicada pela ONU às pessoas com deficiências. O gesto da crisma não durou mais do que dez segundos, mas simbolizou uma vitória do poder da mídia quando repórteres e editores de um jornal assumem o papel transformador que estão aptos a desempenharem.

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