domingo, 30 de dezembro de 2007

MÍDIA QUE TE QUERO ABERTA AOS EXCLUÍDOS


Gladis Maia

... o jornalista só não pode perder de vista sua função social no exercício da profissão, mesmo quando há pouquíssimo espaço para exercê-la. Cláudia Werneck in Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva

São vários os motivos pelos quais os jornalistas não trabalham necessariamente com os temas que gostariam, seja na TV, no rádio, no jornal, na revista, na assessoria de comunicação... Dentre eles podemos destacar a censura, como o mais significativo entrave para a questão.
A censura econômica, que ocorre quando os donos dos meios de comunicação ou um patrocinador – ou mesmo todos – não tem interesse pelo assunto, sendo a desculpa que o desinteresse por ele é do público. Censura ideológica, quando a leitura que o comunicador faz do mundo, incluindo aí seu posicionamento político, não vai ao encontro - pelo contrário, vai de encontro – de um ou dos dois segmentos sociais anteriores, e/ou ainda: de algum político influente – ou mesmo um grupo deles - com seus lobbies peculiares à classe, que também auxilia no cerceamento da palavra do comunicador e dos grupos minoritários representados por ele.
Mas, se necessário, drible-se esta malfadada censura que existe, mesmo que não oficialmente, se assim não se fizer o feitiço vira contra o feiticeiro e acaba se instalando no fazer jornalístico a autocensura, que é a pior das suas modalidades.
O jornalista, especialmente os mais jovens, precisam conscientizar-se do seu papel revolucionário que é o de dar vez e voz aos oprimidos, ainda que somente nas entrelinhas, enquanto a mídia não se popularizar, ou seja, servir mais amiúde ao povo e não ao poder, constituído ou não.
Ilustrando a tese do papel social do jornalismo, resumo abaixo a história que serviu de pauta para uma série de reportagens do jornalista Rogério Verzignasse, do octogenário Correio Popular, jornal de Campinas, São Paulo, realizadas no ano de 1994.
As matérias versavam sobre o fato da mãe de Alessandro Augusto Pimentel não conseguir inscrevê-lo para a crisma, que se realizaria com o arcebispo metropolitano de Campinas, D. Gilberto Pereira Lopes, no sábado seguinte, com dezenas de adolescentes, inclusive sua irmã, de 15 anos.
Alessandro, tinha então 14 anos, pesava somente 27 quilos e era portador de atrofia cortical e cerebelar, vivendo o tempo todo brincando, acomodado em um carrinho de bebê. Para D. Zilda – que dizia que apesar do aparente desligamento do mundo o menino reconhecia seus familiares e demonstrava tristeza, alegria ou dor – a crisma era muito importante e por não se conformar com a negativa da Igreja que alegava que no direito canônico rezava que o sacramento só deve ser ministrado às pessoas que fazem uso absoluto da razão, procurou o jornal onde foi ouvida.
Num dos textos da reportagem de capa, ARCEBISPO NEGA CRISMA À DEFICIENTE, Verzignasse diz: Filho de Deus. O Alessandro só tem uma flauta. Plástica, verde. O menino não fala, não lê. Nem poderia testemunhar aos quatro ventos as maravilhas do ministério cristão. Faltam-lhe recursos físicos e a razão, que fazem parte dos seres humanos, como fazem crer nossos clérigos, imagem e semelhança de Deus perfeito.
Ah, mas como a Igreja se engana. O padre José Luis e o arcebispo D. Gilberto, decerto por falta de tempo, não passaram pela residência da família Pimentel. Eles perderam a chance de ver, nos olhinhos azuis de Alessandro, o brilho de quem testemunha o amor. Eles não viram que o menino tem capacidade de sorrir a cada afago da mamãe Zilda, de se alegrar quando ouve a voz da irmã Letícia, de se sentir confortado nos braços da avó Evanilza.
Não, decerto o padre José Luis e o D. Gilberto não viveram a emoção de ouvir o som de uma flauta tocada por aquele pequeno músico de mãos limpas e boca pura. Nossos religiosos não perceberam que o Alessandro não precisa dos serviços da Igreja . Ele vive, e isso já é razão suficiente para atestar a Criação.
A vida supera qualquer das leis que nossos clérigos literatos, por uma razão ou por outra, incluíram nas páginas dos manuais religiosos. Ainda assim, seria impossível confortar a família? Esse direito canônico é assim tão rígido, a ponto de proibir padres e bispos de, caridosamente, crismarem um deficiente para a alegria da comunidade? A situação, tão complicada, talvez requeira uma olhadela na sábia e sagrada colocação de São Paulo: ‘Ainda que eu falasse a língua dos anjos e dos homens, sem caridade eu nada seria.’
A polêmica gerada com a matéria foi tamanha que uma rádio de Campinas colocou um ramal telefônIco ao dispor da comunidade para que se pronunciasse a respeito. Seguiram-se as demais reportagens, por três dias seguintes: DRAMA DE ALESSANDRO COMOVE CAMPINAS; ARCEBISPO DIZ QUE CASO ESTÁ SOB ANÁLISE; ARCEBISPO RECUA E DECIDE CRISMAR DEFICIENTE.
Graças a Deus, houve um final feliz! A família de Alessandro, a mídia e a opinião pública conseguiram crismar Alessandro, coincidentemente – nas minhas concepções não existem coincidências, chamo a isso Providência Divina - no dia 3 de dezembro, data dedicada pela ONU às pessoas com deficiências. O gesto da crisma não durou mais do que dez segundos, mas simbolizou uma vitória do poder da mídia quando repórteres e editores de um jornal assumem o papel transformador que estão aptos a desempenharem.

sábado, 29 de dezembro de 2007

O QUE MOTIVA O ATO DA LEITURA,NUM PAÍS DE POUCOS LEITORES?

Gladis Maia
(...) sua motivação é quase sempre uma insatisfação, um desequilíbrio provocado por causas inerentes à natureza humana (brevidade, fragilidade da existência) pelo confronto entre indivíduos (amor, ódio, piedade) ou pelas estruturas sociais (opressão, miséria, medo do futuro, tédio). Em suma, ele é um recurso contra o absurdo da condição humana.
Jean Foucambert in A criança, o professor e a leitura, 1998.

Qual o valor da leitura para os habitantes deste nosso país de tantos iletrados? Que dificuldades se apresentam ao candidato a leitor? Há facilidades que permitam um envolvimento mais rápido com a leitura? Estas e muitas outras questões se interpõem na doce-acre tarefa da formação de leitores, atividade que atravessa todos os níveis da escolaridade! Algumas com resposta incompleta e outras sem resposta ainda...
No nosso caso, como em muitos outros países, a responsabilidade pela aprendizagem da língua portuguesa escrita foi atribuída, pela sociedade, à escola. E ela vem cumprindo esse papel, com maior ou menor eficácia, alfabetizando o povo brasileiro em sua maioria. Ficam fora das estatísticas os atuais 9% de analfabetos que possuímos e as crianças alfabetizadas em casa, pela família.
Também os índices de analfabetismo funcional têm crescido rapidamente no Brasil e diversos fatores tem sido apontados como sua causa, desde a formação deficiente no período escolar, a baixa escolaridade, o desinteresse pela leitura, na sociedade – causado sobretudo pelo desprestígio da escrita e do magistério – a concorrência entre a leitura e todos os meios de comunicação de massa, a onipresença do computador, a desvinculação criada entre o diploma e o sucesso em diversas carreiras, a criação artificial de ídolos semi-alfabetizados, o preço do papel e o os insumos necessários à impressão, que encarecem demasiadamente o livro, políticas equivocadas de incentivo à leitura e muitos outros.
Ao chegar a Escola a criança já tem a consciência da importância do seu desempenho lingüístico oral para comunicar-se e interagir com os colegas. Portanto, já conhece algumas regras básicas da linguagem, que a constitui enquanto sujeito e participante de relações com iguais. Já domina, intuitivamente, uma série de normas e procedimentos lingüísticos que a auxiliarão a penetrar no reino das palavras em sua representação escrita, embora esta modalidade de linguagem não seja a transcrição da oral, possuindo suas leis próprias, que devem ser exercidas e exercitadas para que esta aprendizagem se concretize.
A presença da literatura entre as tarefas da escola produz um contínuo questionamento a respeito de estratégias para levar os alunos aos textos, sobre as técnicas de leitura, diversidade dos textos e desenvolvimento de estreitas relações de curiosidade, desempenho e satisfação, na sua práxis.
A atuação da escola na formação de leitores de primeiras letras pode resultar num acréscimo significativo de valores humanos, sociais, econômicos, científicos, filosóficos, sociológicos, psíquicos, artísticos e tantos outros.
A iniciação da criança nas habilidades da leitura abre-lhe portas ao conhecimento. Sua competência, adquirida nas trocas que enquanto leitor ela realiza, aperfeiçoa-se ao longo da vida e pode mantê-la conectada à toda produção do pensar, do agir e do criar, realizada pela humanidade e registrada em formato de textos escritos. Sem contar que essa aprendizagem ajuda a construir a consciência e atitudes eficazes na vida do sujeito ao longo de sua vida.
Evidentemente que não se formam leitores com leituras cartilhescas, exercidas sobre textos construídos com a finalidade de servir de apoio a atividades e exercícios e que apresentam uma construção fragmentada, de frases sem coerência e sem sentido, narrativas primárias que nada dizem ao imaginário infantil, nem respondem às expectativas desse público.
Deixemos nossas crianças sonharem, viajarem pelo mundo da fantasia, pelo menos enquanto lêem. Já basta que a escola, enquanto instituição destinada à escolarização, exige demais delas, com seus horários rígidos, com a natureza e o volume exaustivos de trabalho, com seus diversos saberes e competências a serem adquiridos, com seus processos de seleção e avaliação muitas vezes rigorosos.
Não esquecendo nunca que estes meios podem ser suavizados, mas não extintos, porque é da essência mesma da escola, pois são processos que a instituem e a constituem.
Foucambert localiza o problema da falta de leitura na sociedade contemporânea mais no iletramento do que no analfabetismo, porque mesmo nas sociedades industrializadas onde há um avanço na escolaridade universalizada, crescem, assustadoramente, os índices de analfabetismo funcional. Ou seja, tão logo sai da escola, ou ainda nela, em poucos anos, leitores /escritores perdem a capacidade de fazer até mesmo uma simples correspondência entre o oral e o escrito. Estamos vivendo sob o império da incultura da escrita, reinam o desconhecimento tanto do que ela produz e transforma, como dos meios de ter acesso a ela e dela participar. O que será que se tem feito aos indivíduos – criança ou adulto, operário ou professor, analfabeto ou alfabetizado ágil - para que eles sejam tão resignados com que as coisas continuem como estão? Tão persuadidos de que elas não poderiam ser diferentes, de que não há nada por compreender, nada por mudar, nada por criar de diferente? Nada por buscar do outro lado do espelho para que o mundo se transforme? Alguém tem uma resposta para esta apatia? Eu arriscaria dizer que trata-se de uma epidemia de insatisfação contida!!!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A tv nossa de cada dia: mau caratismo e charlatanice, é isto que queremos para nossas crianças?


Gladis Maia
[...] Se no efeito placebo, o paciente abre as portas de seu psiquismo pela fé que tem no poder do tratamento, na experiência televisiva o espectador deixa aberta as suas por ingenuidade e desconhecimento do poder socializador do meio [...] os dois casos têm em comum o fato de que produzem a maior parte de seus efeitos desde as emoções e desde a burla da consciência e da racionalidade. [...] Joan Ferrés in Televisão Subliminar.

A TV – que dia a dia mais se transforma na cara da globalização e traz consigo o avanço da tecnologia da comunicação – vem encantando e gerando legiões de seres mediatizados, à sua maneira. Esta enorme força que traz nas entranhas poderia servir à paz e à fraternidade entre os homens. Poderia assumir um compromisso com a cidadania e sustentar para hoje, amanhã e sempre a democracia. Poderia incentivar a solidariedade, a liberdade, a igualdade de direitos, o respeito à divergência e à singularidade. Poderia promover a consciência nos homens e a compreensão entre os povos, através do conhecimento de - e respeito a - outras culturas, além é claro do seu próprio contexto cultural.
A programação – especialmente a chamada infantil – deveria não apenas divertir a criança, mas ao mesmo tempo, estimular o seu desenvolvimento espiritual e social, em todas as suas possibilidades de desdobramento. Mas não é o que temos assistido! Minhas elucubrações são ainda um sonho a perseguirmos... Sob o manto roto e desbotado do assistencialismo barato ou em reportagens duvidosas e bizarras de alguns programas - como os do Ratinho e do Silvio Santos – e às vezes até nos telejornais - a grande lição é o sensacionalismo travestido de pieguice.
Quem pode passar impune pelos bate-bocas de casais, famílias, de travestis, de vizinhos? Quem pode passar impune pela nudez total sem contexto algum para justificá-la? Quem pode passar impune pelas anomalias - as mais variadas - mostradas em shows, expondo pessoas simples ao vexame público. São cenas - não raras vezes - forjadas de flagrantes de adultério, falas e músicas de conteúdo vulgar, dando um tom apoteótico ao conteúdo nefasto...O cúmulo da miséria moral é explorar a miséria alheia, habilidade na qual os apresentadores de tais programas, entre outros, são doutores.
Outra grande vedete da televisão brasileira é o crime! Quem não lembra daqueles 42 minutos de entrevista com o maníaco do parque, que confessou ter estuprado e matado dez mulheres em São Paulo? A Rede Globo, naquela ocasião, como em muitíssimas outras, se superou, dando um tratamento dramatúrgico à matéria, espetacularizando a notícia...
Nos programas de auditório a tônica são os rebolados e as danças eróticas! Mas o pós-graduação da sexualidade barata fica por conta dos programas infantis, onde as crianças imitam seus ídolos tipo as tiazinhas e feiticeiras e suas coreografias como as inesquecíveis danças da garrafa e tcham... Lembram? E o pior é que: muitos pais e professores acham ‘a coisa mais querida’, por que elas fazem ‘direitinho’...
E agora a TV virou um enorme buraco de fechadura, escancarado – liberando e até oficializando o que Psicologia sempre tratou como desvio de sexualidade: os voyeurs de plantão. São criaturas que assistem, impavidamente, ou se dando ao luxo de agir de forma participativa: via telefone ou e-mail - da bagaceirização do ser humano, nos Big Brothers da vida ... Classifico tal programação como o império da cretinice, da falta de elegância, da falta de ética, da falta de hombridade, para não enumerar muitos outros atributos! Ali, exposto, 24 h do dia, para qualquer espectador ver-se e espelhar-se! Aulas práticas ao dispor da criançada que aprende como o ser humano não deve ser.
Infelizmente os pais – novamente - até acham graça das opiniões das crianças a respeito, pois elas prestam muita mais atenção do que os adultos, ao desenrolar das intrigas que se estabelecem no lar doce lar televisivo do que eles próprios... Se não sabem, pasmem, o maior número de e-mails enviados para os participantes desse programa marca-diabo são delas!
Eu me pergunto é porque não dão um trabalho, um projeto sadio e útil para aquelas criaturas recheadas de mesmice e mau caratismo executarem durante a meteórica estada na celebridade? É claro que não poderia ser muito difícil, pois a especialidade dos hospedados está mais para a sociopatia, onde o nível de inteligência até existe, mas é embotado para o bem, pois sói acontecer na maldade, visando prejudicar os outros ...
E ainda apregoam que a TV e você tem tudo a ver, uma relação próxima tal qual um caso de amor... Então tá! Num país em que dois terços da população é afro-descendente e outros tantos milhares são pobres, analfabetos e lutam pela sobrevivência com dignidade, onde está este espelho?
Onde se reflete a nossa negritude, a nossa miséria, a nossa ignorância e a honestidade que reinam entre os brasileiros? Qual é a identidade nacional apresentada pela TV? Nas novelas, por exemplo, a maioria das famílias são compostas por brancos, ricos e de péssimo caráter?! Portanto, se somos pobres, negros, não somos bandidos, não gostamos de rebolar, e, se a TV que a gente vê se parece conosco, logo temos que concluir que não existimos, não é?
Fica a pergunta:considerando-se que os programas de adultos são os mais assistidos pelas crianças, raciocinem comigo para aonde estamos nos dirigindo, num país onde 90% dos lares têm pelo menos um aparelho de TV, e que, na maioria destes lares é ela que impera soberana no lazer, nas informações do que vai pelo mundo e na formação de um número elevado de crianças que assistem televisão, em média, três horas diárias, acarinhados pela babá eletrônica?

domingo, 28 de outubro de 2007

E SE INVERTÊSSEMOS ESSE PROCESSO MUTILADOR , TRANSGREDINDO O ENTÃO ESTABELECIDO?

Gladis Maia

A compreesão permite considerar-se o outro não apenas como ego alter um outro indivíduo sujeito, mas também como alter ego, um outro eu mesmo, com que me comunico, simpatizo, comungo. O princípio da comunicação está, pois incluído no princípio de identidade e manifesta-se no princípio de inclusão.
Edgar Morin (2003).

Habituamo-nos a ser referência, por isso é tão difícil valorizar o saber de alguém a quem rotulamos de deficiente. Ainda não somos permeáveis a uma efetiva comunicação de mão-dupla com pessoas em relação às quais nos sentimos superiores. Seremos capazes um dia? Esperamos que sim, tão logo a sociedade inclusiva se formate. Temos esperança, acreditamos no homem e na solidariedade, mesmo que ainda haja pessoas que ainda nem sequer colocaram o assunto em pauta ... Você já se perguntou o que os deficientes pensam sobre os normais ? O verso é conhecido, e o reverso ?

Cada civilização tem o seu padrão de comunicação social aceito e institucionalizado. O silêncio tem sido, ao longo dos tempos, a fala oficial dos dominados! Eles não costumam freqüentar a mídia... A crise da comunicação é nossa, dos vencedores. A crise e a sua transmutação está nas mãos de quem sempre falou e pouco ouviu... Para superá-la, será preciso que nos dediquemos a um exercício de auto-questionamento.

Será que desejamos ouvi-los? Estamos preparados para tanto? Achamos importante atender suas reivindicações? Acreditamos na coerência deste discurso? Que tipo de relação imaginamos ter no futuro, com essas pessoas que por tantos séculos não tiveram expressão social? O que elas têm a dizer sobre nós?

O grande salto é aprender a ouvi-las, perceber seus talentos e fraquezas - características de todos os seres humanos - reconhecer seu pertencimento à sociedade, deixá-las exercerem sua cidadania, de fato e de direito. Quanto mais legítimo for esse processo, mais essas pessoas serão descaracterizadas como seres passivos e mais perto se estará da sociedade inclusiva.

Mas não são só os deficientes que deverão ter vez e voz na mídia, na escola, na vida, na sociedade inclusiva. A prioridade deve ser conferida aos grupos mais desfavorecidos e vulnerabilizados pela condição de pobreza, os analfabetos, as populações rurais, as crianças, as minorias étnicas e religiosas, entre tantos outros. Como afirma Morin in A Cabeça Bem-feita: repensar a reforma reformar o pensamento, a educação pode ajudar a tornar os seres humanos melhores se não mais felizes, e ensiná-los a assumir a parte prosaica e viverem a parte poética de suas vidas.

Nas suas palavras, uma pessoa só compreende as lágrimas, o sorriso, o riso, o medo, a cólera de outro, ao ver o ego alter como alter ego, pela própria capacidade de experimentar os mesmos sentimentos. Nas suas palavras: Se vejo uma criança em prantos, vou compreendê-la não pela medição do grau de salinidade de suas lágrimas, mas por identificá-la comigo e identificar-me com ela. A compreensão, intersubjetiva, necessita de abertura e generosidade.

Como argumenta Cláudia Werneck in Ninguém mais vai ser bonzinho na Sociedade Inclusiva, a verdadeira comunicação só se dará quando os seres humanos respeitarem os saberes distintos daqueles que lhes são habituais. “Cada um de nós constrói no decorrer da vida, saberes diferentes. Saberes como filhos, estudantes, apaixonados, profissionais. Pessoas com deficiência mental têm um saber extra que á relação de todos esses saberes com sua condição peculiar. [...] como é viver com paralisia cerebral? Doença renal? Tornar-se tetraplégico?” Já pensaram nisto?

O homem celebra com facilidade o saber de alguém que admira. Difícil é aceitar um saber que pareça incoerente ou que aparentemente nada vai acrescentar. Comunicação é acordo, acordo não se impõe, nem se manipula. Busquemos um consenso permanente. A compreensão do mundo não é monopólio de ninguém. Uma sociedade democrática é sempre polifônica. São muitas vozes, representando os interesses e anseios dos seus diferentes segmentos e classes. São diferentes desejos, sonhos e necessidades.

Construir caminhos de escuta das diferentes vozes e de seus diferentes códigos e linguagens; construir caminhos de participação e de decisões que privilegiam o bem comum e não apenas os interesses específicos ou individuais é o grande desafio da sociedade da primeira década e de todo o século XXI. Comecemos pela escola, lugar de encontro de gerações e de formação dos cidadãos que um dia comandarão esta e outras nações.

A olhar para o desmazelo em que a nossa Pátria amada e não tão idolatrada se encontra, ao longo dos sucessivos governos, parece que fica claro que a maioria de cidadãos brasileiros não aprendeu a principal lição que a escola deve fornecer: a ética.

Queiramos ou não, à escola, na ausência da família, cabe este papel na história. Cabe a ela apropriar-se dele, não para decidir por, mas decidir junto e, mais ainda, educar ética, moral e esteticamente. Uma sociedade autônoma é feita de cidadãos que são sujeitos de seus caminhos, que fazem escolhas conscientes de suas opções. Uma sociedade inclusiva é a que permite que todas as diferenças sejam explicitadas em busca de um consenso. Uma sociedade democrática, autônoma e inclusiva é aquela onde todos têm o direito a voto, a vez, a representação e a participação na gestão das suas diferentes instituições e, mais ainda, é aquela que almeja a felicidade de cada um e a de todos.

sábado, 27 de outubro de 2007

À EDUCAÇÃO CABE PREGAR A PAZ E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA TERRENA

Gladis Maia

A prática da ética não pode ficar fora dos portões da escola,mas, como adverte Morin, a ética não pode ser ensinada por meio de lições de moral. Deve formar-se nas mentes dos estudantes, com base na consciência da espécie, o que implica em que o verdadeiro desenvolvimento humano deve compreender o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana.

Em Os Sete Saberes Necessários à Educação Terrena (2000), Edgar Morin fala da importância do saber transdisciplinar com o objetivo de gerar um pensamento integrador, apto a romper o isolamento do homem em relação ao próprio homem e à sociedade.

Tanto do ponto de vista ético, quanto do intelectual. Trata-se de um desafio lançado às instituições educativas e educadores, com a finalidade de instaurar novas formas de solidariedade e responsabilidade do homem para consigo mesmo e para com o planeta Terra. O autor quer reiterar a crença dos educadores no poder transformador da Cultura

No 1º saber, As Cegueiras do Conhecimento: o erro e a ilusão, ele fala que é necessário introduzir e desenvolver na Educação o estudo das características cerebrais, mentais e culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais, que conduzem o homem ao erro ou à ilusão.

No 2º, Os Princípios do Conhecimento Pertinente, aborda o desenvolvimento da aptidão natural do espírito humano para situar todas as informações em um contexto e num conjunto. No 3º, Ensinar a Condição Humana, aponta para o reconhecimento de que o ser humano é simultaneamente físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico, e, que esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na Educação contemporânea por meio do ensino fragmentador das disciplinas.

No 4º, Ensinar a Identidade Terrena, aborda a crise planetária, compartilhada por todos os seres humanos. Refere-se ao ensino da história da era planetária, que se inicia com o estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século XVI, de forma a mostrar como todas as partes do mundo se tornaram solidárias, sem contudo, ocultar as opressões e a dominação.

Em Ensinar a Enfrentar as Incertezas, 5º saber, trata do ensino dos princípios de estratégias que permitam o enfrentamento de imprevistos, do inesperado e da incerteza; e modificações no desenvolvimento, em virtude das informações adquiridas ao largo do tempo. Nas suas palavras: “ ... é preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas, em meio a arquipélagos de certeza”.

No 6º saber, Ensinar a Compreensão, focaliza o reconhecimento de que, embora a compreensão seja meio e fim da comunicação humana, a Educação para a Compreensão está ausente do ensino convencional. Nestes moldes, a incompletude , por exemplo, deve ser estudada a partir de suas raízes, de suas modalidades e dos seus efeitos, enfocando não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, do desprezo, fomentando as bases para a Educação para a Paz.

No 7ºsaber, A Ética do Gênero Humano, Morin leva em conta o caráter ternário da condição humana, que é ser simultaneamente indivíduo, sociedade e espécie; e concebe a Humanidade como uma Comunidade Planetária.

A regeneração da democracia existente faz-se necessária, segundo Morin, por que a invenção de uma democracia planetária requer a percepção do destino humano comum entre as várias nações e continentes; a disposição para forjar instituições globais voltadas para a educação e a cidadania terrenas; e o desenvolvimento concomitante de uma cultura política planetária.

Com os Sete Saberes, que se inserem na idéia de uma identidade terrena onde o destino de cada pessoa joga-se e decide-se em escala internacional, cabendo à educação a missão ética de buscar e trabalhar uma solidariedade renovadora que seja capaz de dar novo alento à luta por um desenvolvimento humano sustentável, Morin aprofunda a visão transdisciplinar.

Para ele, toda a cultura e toda a sociedade deve trabalhar, segundo as especificidades desses saberes que apontam uma visão abrangente da realidade. O destino planetário do gênero humano é ignorado pela Educação que precisa ao mesmo tempo trabalhar a unidade da espécie humana de forma integrada com a idéia da diversidade.

O princípio da unidade/diversidade deve estar presente em todas as esferas. Para tanto, torna-se necessário educar: para os obstáculos; para a compreensão humana, combatendo o egocentrismo e o sociocentrismo, que procuram colocar em posição secundária aspectos importantes para a vida das pessoas e da sociedade.

Por fim, os princípios de Morin para a educação do século XXI, antecedem qualquer guia ou compêndio de ensino, como ele mesmo afirma, inserem-se na idéia de uma identidade terrena onde o destino de cada pessoa joga-se e decide-se em escala internacional. Cabe à Educação a missão ética de buscar e trabalhar uma solidariedade renovadora que seja capaz de dar novo alento à luta por um desenvolvimento sustentável. São saberes fundamentais com o s quais toda a cultura e toda a sociedade deve trabalhar, seguindo e segundo suas especificidades.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

O real ou virtual na telinha, eis a questão a ser vista por pais e professores da garotada!


Gladis Maia


...a fraternidade humana, o amor pelo outro, a comunhão, enfim a superação do egoísmo, o desabrochar da vida pessoal na vida coletiva não são ainda senão mitos, a única cultura é a de massas. Edgar Morin.

Pais e professores não devem se iludir a respeito da TV - especialmente em tratando-se da educação de crianças e jovens – enquanto canal de comunicação sócio-cultural. Ela encontra-se a serviço do sistema social em que se localiza. Sua produção baseia-se na doutrina social, ou na ideologia do sistema, o que implica em que ela não seja posta em questão nunca. No Brasil, inserida numa sociedade de capitalismo dependente - terceiro-mundista e organizada com base em princípios de liberdade de pensamento, expressão e crença, assegurados pela Constituição - a TV vem sendo orientada pela ética capitalista, visando antes, e, acima de tudo, o lucro, a partir do qual tudo se justifica. Por isso veicula - lepidamente, ao longo de toda a sua transmissão - valores e princípios da ética capitalista, tais como: o individualismo, a competição, o materialismo, virtuosamente concretizados nas cenas dos comerciais, novelas ou telejornais.

Até há pouco tempo em nosso país considerava-se a comunicação como sinônimo de Showmanship, ou seja, um veículo especialista na habilidade para manejar as emoções da massa. Todos sabemos que a cultura de massa leva modelos culturais a todos os domínios: às relações amorosas, de beleza, de vestuário, sedução, erotismo, saber, viver, alojamento... Modelos afetivos práticos de personalidade! Morin aponta para o perigo dessa influência sobre o público, pois essa nova cultura mediática age diferentemente, de acordo com o nível cultural dos povos a ela submetidos. Da mesma forma, alerta também sobre as conseqüências psicológicas, morais e éticas da cultura de massa sobre o homem.

Diferente de outras culturas que existem ao longo do tempo da história humana esta não cultua, não defende, não prega o engrandecimento humano, não traz no seu bojo a hominização. Morin preceitua que a cultura de massa bloqueia, reciprocamente, o real e o imaginário, numa espécie de sonambulismo permanente ou de psicose obsessiva. Assim ocorreria com todos aqueles que sem condições de adaptar uma parte de seus sonhos à realidade e uma parte da realidade a seus sonhos. Ou seja, a cultura de massa se adapta aos já adaptados e adapta os adaptáveis, integrando-se à vida social onde o grau de desenvolvimento econômico e social lhe fornece e favorece seres humanos. Há telespectadores que muitas vezes não conseguem distinguir a programação ao vivo do programa gravado. Não raro, alguns dentre eles telefonam para a emissora que está levando ao ar algum programa, para se referir a qualquer aspecto da emissão, supondo que a transmissão seja direta e surpreendem-se com o equívoco.

Para alguns analistas, um dos grandes perigos da televisão está nesse caráter híbrido, que favorece a (con) fusão entre informação e fabulação, ou entre registro documental e ficção ou, ainda, entre o presente exercido e o simulado, abrindo brechas para se vender gato por lebre. A inexistência de marcas distintivas entre as duas modalidades de programação televisual – a emitida ao vivo e a pré-gravada - acaba por confundir as categorias do real e do fictício e torná-las cada vez menos ontológicas e cada vez mais coercitivas, de onde o corolário invetável da TV como instrumento para a alienação. Umberto Eco lembra que na TV moderna temos visto surgir programas em que documentação e ficção se misturam de modo indissolúvel, a ponto de a distinção entre notícias verdadeiras e invenções fictícias tornar-se irrelevante. O público, de forma geral, merece que pelo menos os programas de informação digam a verdade, ou seja, atenham-se aos fatos, mesmo que todo mundo saiba - ou pelo menos intua - que de alguma forma todo fato é sempre manipulado ou interpretado na abordagem televisiva. Já nos programas humorísticos, novelas, filmes para TV, comédias e congêneres, aceitam-se liberalidades de toda espécie, pois já se sabe que eles trabalham apenas com fatos forjados pela imaginação, mesmo que - rigorosamente falando em termos de anunciação - não haja diferença audiovisual entre o desembarque na lua documentado ao vivo e outro extraído de um filme de ficção, por exemplo. E há os que tomam a ficção por realidade, como o telespectador que agride o ator que interpreta o vilão de uma novela ao encontrá-lo na rua. Comportamentos assim são considerados alucinatórios, mas o perigo maior está concentrado em pequenas aberrações, não nas grandiosas.

Cria-se assim uma ilusão referencial, segundo a qual o leitor, ouvinte ou telespectador, acredita que o que lê, ouve e vê na tela é a realidade, quando, na verdade, não é senão uma construção da realidade. Essa capacidade de construir a realidade é uma qualidade positiva dos meios como extensão do homem, pois permite ao receptor alargar o seu mapa do mundo. Mas também se constitui em um perigo porque permite aos meios oferecer um mapa tendencioso. Como o próprio nome parece indicar os media fazem um papel de mediação entre a realidade e as pessoas.

O que os meios de comunicação social mostram não é a realidade, mas a construção da realidade, da enorme quantidade de fatos e situações disponíveis a seu bel prazer, combinando-os entre si, e estruturando as mensagens e programas de ideologia, com seus estilos e intenções que lhes atribuem os comandantes dessas redes. Até agora a comunicação tem sido utilizada muito mais para legitimar e manter uma ordem social caracterizada pela exploração da maioria, pela verticalidade e o autoritarismo de relações, pela demagogia e o apelo às emoções fáceis. Pais e professores que alertem seus pupilos!


quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Ser diferente integra a condição humana, pois todos temos nossas singularidades.


Gladis Maia

Uma escola inclusiva não “prepara” para à vida. Ela é a própria vida que flui devendo possibilitar, do ponto de vista político, ético e estético, o desenvolvimento da sensibilidade e da capacidade crítica e construtiva dos alunos-cidadãos que nela estão, em qualquer das etapas do fluxo escolar ou das modalidades de atendimento educacional oferecidas.
Rosita Edler Carvalho (2004).


Ser diferente faz parte da condição humana, pensamos, sentimos e agimos de jeitos e intensidades diferentes, porque apreendemos o mundo de formas diferentes. Considerando-se isto, a escola inclusiva pressupõe não só a aceitação, mas o respeito e a valorização dessas diferenças nos alunos e de seus diferentes saberes e não–saberes.

Uma vez valorizada a diversidade devemos agir para que nossos alunos tenham experiências e saberes múltiplos. Na escola inclusiva não se terá mais a inquietação de responder se alguém aprendeu como o outro, mas de observar e acompanhar curiosamente o jeito inusitado e mágico de cada um viver, de cada um vir-a-ser, no seu tempo, cuidando, acolhendo, compartilhando diferentes jeitos de ser e de aprender.

Neste momento de discussão sobre o paradigma da Escola Inclusiva, há ainda muita confusão no ar, porque simplesmente muitos querem fazer crer que a idéia da inclusão é para e somente para os alunos da Educação Especial passarem para as turmas do ensino regular e, ponto.

Muitos pais de alunos “normais” se insurgem também contra a idéia, alegando que seus filhos serão prejudicados. Muitos pais de deficientes acham que os professores da escola regular não têm dado conta nem dos alunos “normais” e, que portanto não terão capacidade para lidar com seus filhos.

Ambos ignoram que a inclusão representa um resgate histórico do igual direito de todos à Educação de qualidade. A escola deve estar aberta aos que nunca tiveram acesso ao estudo, os portadores de altas habilidades (superdotados), os que - sem serem deficientes - apresentam dificuldades de aprendizagem e outras minorias excluídas, como é o caso dos negros, dos ciganos, homossexuais, índios e anões e que precisam nelas ingressar, ficar e aprender.

Quem se insurge contra a inclusão na escola parece ignorar, também, que é na diversidade que reside a riqueza das trocas que a escola propicia. Na heterogeneidade há a oportunidade de convívio com a diferença que - no mínimo - promove laços saudáveis e sentimentos de solidariedade orgânica.

Na escola inclusiva, da mesma forma, os professores têm oportunidade de por em prática os quatro pilares para a educação do século XXI, propostos pela UNESCO: aprender a aprender; aprender a fazer; aprender a ser; e aprender a viver junto.

A inclusão pressupõe a melhoria da resposta educativa da escola para todos, pois é considerável a produção do fracasso escolar, excludente por sua própria natureza. A escola inclusiva deve melhorar para todos, in-dis-tin-ta-men-te. Instaurada a inclusão, a escola deve tornar-se àquela que busca o desenvolvimento de todos, a partir das potencialidades humanas, críticas, participativas e autônomas. A escola deve ser pensada e construída como um espaço sadio de pluralismo de idéias!

Para que a escola inclusiva venha a dar certo, a sociedade precisa também evoluir. Evoluir da dimensão do particular para a comunitária, e desta, para a planetária, numa extraordinária dinâmica em espiral, ampliando cada vez mais a abrangência. Uma nova ética se impõe, conferindo a todos a igualdade de valor, igualdade de direitos – particularmente os de eqüidade – e a necessidade de superação de qualquer forma de discriminação por questões étnicas, de gênero, de classe social ou de peculiaridades individuais e diferenciadas.

E, mesmo que a escola inclusiva no Brasil ainda seja apenas um sonho, para que esse sonho vire realidade, num mundo de paz e de harmonia, ela precisa ser, além de ética, prazerosa, integrativa por princípio, e, promotora das condições necessárias para o desenvolvimento das potencialidades de cada um e de todos. Qual outro lugar, além da escola, é próprio para formar gerações que elejam, defendam e ajam de acordo com esses valores?

A escola inclusiva é a porta e a casa propícias para o desenvolvimento, tanto da solidariedade mecânica, como da solidariedade orgânica, na concepção de Durkheim, em seus estudos sobre a natureza dos laços sociais. A solidariedade, no primeiro caso, acontece de forma natural ou mecânica, a proximidade entre os seres humanos, o contato leva a isso. Já a solidariedade orgânica ocorre quando os indivíduos têm – ou adquirem – a consciência de que precisam participar para fazer a coletividade funcionar como um todo. Trata-se, portanto, de uma consciência coletiva que, segundo Durkheim, constrói-se pelos sentimentos e crenças comuns à média dos membros da coletividade, levando-os às formas de cooperação global.

E, porque sentimentos e crenças podem ser incentivados, especialmente num lugar que trabalha a formação do sujeito em desenvolvimento, a escola inclusiva é acima de tudo esse solo fértil para o desabrochar e o fomento da ética, da solidariedade e do bem comum.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O saber tem que ser construído em meio à tecitura de redes intercomunicantes

Gladis Maia
Você não pode ensinar tudo a um homem; você pode apenas ajudá-lo a encontrar a resposta, dentro dele mesmo. Galileu Galilei.
A Escola da atualidade necessita ser mais flexível, ser inteira e representar a vida. O educador tem que lembrar que é professor de gente, não de matérias, de conteúdos, reprodutor do sistema que aí está, excludente por índole. A corrida atrás de resultados quantitativos tem que ficar para trás. A meta agora é a qualidade de vida, o aluno precisa mesmo é saber como se chega a resultados. A escola para todos tem que ensinar como pensar e não o que se pensa. Os principais problemas de nosso tempo não podem ser compreendidos isoladamente, mas vistos de forma interconectada e interdependente, sob o paradigma da hoslística.
A sociedade atual exige pessoas detentoras de tipos diferentes de criatividade, com diversos talentos, sobrepostos e maleáveis e mutáveis. Como um prisma de cristal, que distribui a luz num campo visual, a teoria das múltiplas inteligências de Perrenoud e a inteligência multifocal de Augusto Cury, poderiam servir de norte, entre outras, para serem aplicadas ao planejamento educacional, criando condições para a formação de pessoas melhor preparadas para era virtual, que se aproxima: holísticas, diferentes de nós, seus professores, que estudamos sob a égide de um ensino tradicional, de lógica aristotélica e linear.
Estas teorias podem nos ajudar a mostrar como levar o aluno do conteúdo acadêmico, que serve como suporte, até chegar às metas finais, permitindo que cada um adquira, do seu próprio jeito, através do seu próprio estilo individual de aprendizagem.
Se concordarmos que uma das funções da educação é a preparação das pessoas para o seu futuro, nunca esquecendo que a transformação da sociedade – que há de ser justa e ética um dia – passa necessariamente pela escola, neste momento, ninguém pode saber com precisão o que nos reserva o futuro, nem o mais próximo.
Não sabemos, por exemplo, das possibilidades da clonagem humana ou dos resultados do Projeto Genoma. Esta incerteza pode nos deixar paralisados, insatisfeitos com a maneira de construir o saber em nossas escolas. Mas, precisamos ter coragem para desafiar os erros e encontrarmos novas maneiras de fazer ou refazer a prática pedagógica.
Neste sentido, a sociedade contemporânea está passando por uma série de modificações estruturais, que nos obrigam a reavaliar aquilo que estamos fazendo na educação e tentar alinhar este esforço à realidade que existe fora da instituição acadêmica.
Algo que está claro para o futuro, não tão longínquo assim, é que muitas pessoas terão uma jornada de trabalho mais curta do que a atual e sobrará tempo para o lazer, talvez . E o que faremos? Imagino que: um educando exposto às experiências ecológicas, holísticas e grupais, numa escola pautada na ética, na participação colaborativa, poderá transformar não só a sua própria vida, mas o em torno.Ele terá condições de acrescentar mais a sua vida, em termos de prazer, crescimento emocional, respeito e sabedoria. O pequeno cidadão hoje - ou amanhã, adulto - estará apto a transformar a sociedade, começando com o respeito às pessoas que lhe são próximas.
Mas, afora os discursos bonitos, as escolas têm apresentado, em geral, espetáculos deploráveis, ao expulsarem os alunos do suas aulas e mesmo da escola, literal ou subliminarmente, através das notas ruins, das caras feias, das repreensões insistentes, porque determinados alunos não correspondem ao tipo padrão esperado...São os taxados de mal comportados, já que nossas escolas baseiam-se inteiramente em torno da noção de disciplina e de comportamento. Expulsos ou evadidos, essas crianças somam fileiras entre os excluídos, da escola, da sociedade, da vida...
E o pior, é que os educadores, na sua maioria, estão se sentindo abandonados, desamparados, com a falta de possibilidade em atender as demandas da escola, receber e tratar bem, as crianças e jovens em suas necessidades do cotidiano. Lá fora elas também não são satisfeitas, a família já não é a mesma, e todos sabemos, sua estrutura física e psicológica mudou. Todas as patologias e os desconfortos familiares – e há alunos que possuem dois, três núcleos familiares, outros nenhum - acabam chegando a escola, que está despreparada, não possui técnicos, nem disponibilidade para tanto ...
A violência escolar, tão em moda na mídia, poderia ser vista como uma denúncia da própria violência perversa do sistema educacional em nosso país, em muitos outros, mesmo no exemplar primeiro mundo, e sem tirar nossa responsabilidade: da nossa maneira de viver, que por vezes é demasiadamente desejante e exigente.
É real, que os professores são mal pagos, possuem cargas horárias escravas, estão estressados, com suas turmas abarrotadas de alunos e escolas mal cuidadas pelos poderes públicos, muitas vezes mal preparados em suas formações por tantos outros professores descontentes, numa roda viva incessante...Há que se concluir que não há muito lugar para pensar a dor do outro, do aluno que está muitas vezes ali precisando muito mais de afeto do que de lições... Fica difícil a tal escola para todos!
Mesmo a contragosto dos descrentes, daqueles que perderam a esperança, eu volto sempre ao meu jargão amoroso, afirmando que a Escola Inclusiva passa, necessariamente, pelo coração de cada educador que estiver envolvido com ela e que, de tanto abrir-se para o amor, conseguirá expandir frestas nos corações dos homens empedernidos, que estão com a caneta na mão para assinar os documentos necessários a efetivação das mudanças na escola e nos homens que estamos formando, que transformarão esta nação em algo de prodigioso.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Respeito à dignidade não é favor, é direito imprescindível da ética.


Gladis Maia

O sentido da Educação é a humanização, possibilitando que todos os seres humanos tenham condições de serem partícipes e, ao mesmo tempo, possam desfrutar dos avanços e progressos da civilização, construída historicamente. Jane R. A. Barbosa, in Didática do Ensino Superior, 2003.

Ensinar exige, além de segurança, competência profissional e generosidade. O comprometimento, a liberdade e autoridade, a arte da escuta, o reconhecimento que a Educação é ideológica, também são imprescindíveis. A disponibilidade para o diálogo, o querer bem aos educandos e a compreensão de que a Educação é uma forma de intervenção no mundo, parafraseando Paulo Freire, são, da mesma forma ultra necessários na práxis educativa.

Quanto mais liberdade e solidariedade, entre professor e aluno, mais possibilidades há de viver-se na - e para a - cidadania. O professor precisa abandonar a postura de portador da verdade que tem de ser transmitida aos discípulos. Quem não consegue escutar seus alunos, não aprende a falar com eles, fala para eles, fala deles, mas não com eles. Não constrói, vomita conhecimento.

É papel do professor escutar os alunos, nas suas dúvidas, nos seus receios, na sua incompetência provisória, nas palavras do mestre. Freire, sempre que a oportunidade se apresentava, dizia que, em geral, o professor cria com o aluno uma relação prepotente, na qual ele não contribui para o processo educativo. Aliás, contribui sim, mas para reforçar a sua dominação como professor. Ao colocar-se frente à classe e emitir conceitos que os alunos não conseguem decifrar, muitas vezes, ele não está apenas reforçando a idéia de que o professor é aquele que sabe, mas também a idéia de que o aluno é aquele que não sabe e que, para saber, depende do professor. E, se ele, na sua enorme benevolência, se dispuser a dar uma migalha de seu saber aos alunos, apresentará a postura costumeira daquele que está convencido de que os alunos jamais vão saber como ele sabe, e, por isso, precisarão sempre das luzes daquela inteligência suprema...

O pequeno grande educador sempre acreditou que nenhuma formação docente pode fazer-se alheada do reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição e do exercício da criticidade. Criticidade que implica da passagem da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, do conhecimento bancário para o conhecimento crítico.

Constituir-se num professor crítico é tornar-se um aventureiro responsável, que diz que as coisas até podem piorar quando se está predisposto à aceitação do diferente, do novo, mas diz também que sempre é possível intervir para melhorá-las. A passagem do homem pelo mundo não é pré-determinada. A vida é feita de possibilidades, e não de determinismos! Quando a presença humana no mundo não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, culturais e históricas há sempre e, graças a Deus, Esperança! Esperança para lutarmos e vermos nossos sonhos virarem realidade!

Devemos ser esperançosos não só por teimosia, mas por exigência da práxis educativa. O que poderá ensinar aquele que não crê que as coisas possam ser diferentes? Freire diz não entender que a Educação, como prática estritamente humana, possa constituir-se numa experiência fria, sem alma, numa experiência em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos sejam reprimidos.

Freire também alerta que o professor que costuma desrespeitar a curiosidade dos seus alunos, ou seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem... O professor que ironiza o aluno devido aos seus traços culturais, transgride os princípios éticos da existência humana, da mesma forma que aquele que foge do cumprimento do seu dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência educativa.

Qualquer discriminação é imoral! Quanto mais rigoroso o professor se tornar na sua busca e no seu exercício profissional, tanto mais alegre e esperançoso se sentirá. Por isso é falso pressupor que alegria e docência sejam incompatíveis, inconciliáveis. A alegria não é inimiga da rigorosidade, proclama Freire, que acredita que há algo como o que costumam chamar de vocação, que deve enlaçar tantos professores de bem na sua profissão tão mal vista e paga pelos governos deste país. Mesmo numa situação tão desestimulante, muitos continuam a suar a camiseta, felizmente, honrando a categoria.

E, ao final deste artigo, fiquem com as palavras do grande mestre, singelas e humildes, e que são sempre bálsamo para a alma daqueles que acreditam num mundo melhor, sem preconceitos, num mundo repleto de muito amor e de muita beleza. Daqueles que não têm vergonha de serem eternos aprendizes:

O melhor caminho para guardar viva e desperta a minha capacidade de pensar certo, de ver com acuidade, de ouvir com respeito, por isso de forma exigente, é me deixar exposto às diferenças, é recusar posições dogmáticas, em que me admita como proprietário da verdade. [...] disponibilidade à vida e aos seus contratempos.[...] ao riso manso da inocência, à cara carrancuda da desaprovação, aos braços que se abrem para acolher ou ao corpo que se fecha na recusa.[...] E quanto mais me dou à experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com as diferenças, tanto melhor me conheço e construo meu perfil. (Paulo Freire in Pedagogia da Autonomia, 2003).

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Nem de esquerda nem de direita, os jovens estão para além da política.

Gladis Maia

Todos os partidos são variantes do absolutismo. Não fundaremos mais partidos. O Estado é o seu estado de espírito.
Raul Seixas
.

Tenho falado bastante sobre às características da nova geração, especialmente no tangente a sua nova linguagem. Mas os jovens não mudaram apenas a sua forma de falar, de pensar, de escrever, mudaram acima de tudo a forma de agir no mundo frente aos problemas estruturais a que assistem. Não só a que assistem, pois eles se entrelaçam na problemática, arregaçam as mangas e atuam em favor de soluções. Diferentes das gerações anteriores, que escreviam e pronunciavam discursos inflamados a favor dos oprimidos, eles vão à luta, companheiro.

Shephen kanitz, em artigo na Veja de 12/09/05, diz que lera uma reportagem que acusava a nova geração de “estar com nada”, preocupada somente com o futuro emprego e o umbigo. Os jovens não seriam mais como os de antigamente, engajados, na luta por uma grande causa: revolucionar o mundo. O autor, contrário a esta opinião, diz que há 30 anos atrás, 20% de seus amigos de faculdade - pelo menos os que se achavam mais inteligentes - eram de esquerda. Queriam mudar o mundo, salvar o Brasil, expulsar o FMI e acabar com a pobreza. Cabulavam as aulas e viviam no centro acadêmico com pôsteres de Che Guevara discutindo como tomar o poder. A idéia de ajudar os outros fazendo trabalho voluntário na periferia nem lhes passava pela cabeça...

Kanitz fala também que - para sua surpresa - quando foi fazer o mestrado em Harward, a totalidade de seus colegas era apolítica. Eles estavam lá para estudar, adquirir conhecimento, para poder ser úteis à sociedade e talvez ficar ricos. Por isso estudavam, para seu desespero, 20 horas por dia... Aliada a essa enorme carga horária de estudo, todos - havia muito tempo - faziam trabalho voluntário, um dos requisitos inclusive para a admissão ao mestrado, conta o administrador.

Passados trinta anos, num encontro com a turma de mestrado ele constatou que todos ficaram ricos, como pretendiam e que era a única exceção.Ricos que agora devotam boa parte do tempo às causas sociais e doam bilhões ao 3º setor. Muitos, já aposentados, gastam 25 horas por semana em conselhos, como o da Cruz Vermelha. A reunião de trinta anos com seus colegas da USP foi ainda mais surpreendente. O mais engajado na época, o que mais pregava a luta de classes, é hoje diretor de banco. Seu colega socialista, e menos radical, é o dono do banco. A maioria desculpou-se dizendo: “cansei de ajudar os outros”, “estou ficando velho, preciso me preocupar comigo mesmo.”

O articulista e muitos outros autores preferem a nova geração, que não é nem de esquerda, nem de direita, nem agüenta mais esta discussão. Não querem mudar o mundo, querem primeiro mudar o bairro para depois mudar seu estado e o país. Querem se tornar competentes para então mudar o mundo, paulatinamente, ao longo da vida.A nova geração está desencadeando uma revolução de cidadania, usando cérebro e o coração para o voluntariado, engajando-se no 3º setor, cada um fazendo a sua parte. Não ficou somente no discurso, partiu direto para a ação. A nova geração “está com tudo”, e deveríamos ficar orgulhosos por não se fazer mais jovens como antigamente.

Cláudia Wernec em “Sociedade Inclusiva: quem cabe no seu todos?” é da mesma opinião de Kanitz, a respeito da participação da nova geração em prol da cidadania. Define como protagonista juvenil o menino ou menina que toma a iniciativa de promover e gestar ações que transcendam a seus interesses pessoais ou familiares, sempre relacionadas à solução de um problema concreto.

Meninos que defendem a ecologia, fazem jornalismo escolar, rádio comunitária, catam lixo na praia ou organizam um mutirão no condomínio a favor da reciclagem de lixo. Percorrem comunidades carentes – ou não – fazendo prevenção de câncer de mama, distribuem camisinha, explicam como fazer sexo seguro, vão a asilos cozinhar nos feriados, percorrem bares de madrugada convencendo outros jovens a não dirigirem alcoolizados.

De etapa em etapa, esses jovens vão percebendo e confirmando que para garantir a sua sobrevivência como adultos precisarão tomar decisões cada vez mais solidárias. Bem melhor – seguramente - do que esperar de braços cruzados o dia em que a sociedade vai achar que aquele jovem cidadão está pronto para participar da vida pública. Exercendo seu lado protagonista o adolescente vai assumindo o compromisso de ser autor de seu futuro. É o parceiro ideal no processo de construção da sociedade inclusiva, pois a palavra-chave para entender o conceito de trabalho voluntário é solidariedade que significa troca e aprendizado conjunto e pressupõe responsabilidade social e cooperação. Pequenas atitudes podem mudar o mundo. Não importa o tamanho desse mundo. Esta é a diferença entre a juventude do ano 2000 e aquela que agitava bandeira nas décadas de 60 e 70. Ninguém é melhor ou pior. São contextos diversos. O momento histórico é outro. O momento sócio-político-cultural é outro.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Você tem algum amigo (a) diferente?

Gladis Maia

Escola é lugar de convivência e aprendizado universais. Universais, mesmo! Esta é a base das escolas inclusivas. Cláudia Werneck (1999).

No currículo da jornalista Claudia Werneck consta a edição de uma coleção de três livros chamada Meu Amigo Down, que colabora para uma ampla discussão sobre as diferenças individuais a partir da Síndrome de Down. A história aborda a chegada de um menino com a síndrome a uma escola regular. O sucesso foi tal, que após a 3ªed. da coleção, resolveu editar também ‘Um Amigo diferente?’.

Cláudia conta que passou por uma experiência decisiva ao falar da coleção ‘Meu Amigo Down’ nas escolas, públicas e privadas, por todo o Brasil: “... eu era torpedeada pelos alunos com perguntas e desabafos sobre ‘anormalidades’. Tornei-me a deixa para que abordassem assuntos que os afligissem e os deixavam curiosos. Fiquei aflita com a aflição deles. Daí nasceu ‘Um Amigo Diferente?’ , lançado em 1996.”

Este último livro consumiu-lhe cinco meses de pesquisa na qual teve a assessoria do consultor em reabilitação, Romeu Kazumi Sassaki, .segundo ela, “um livro dificílimo de ser finalizado” . Para escrevê-lo teve que conhecer o trabalho de grupos de ajuda mútua de portadores de paralisia cerebral, asma, doença renal, ostomia, anemia, hemofilia, artrite e outros. O texto foi submetido a representantes de cada uma dessas entidades e também a profissionais das áreas da Saúde, Comportamento, Reabilitação e Educação de vários lugares do Brasil. Muitas outras pessoas também foram consultadas sobre as ilustrações.

E antes de ser publicado passou por uma experiência piloto num CIEP do Rio de Janeiro, onde foi utilizado como livro-texto, em sala de aula. O CIEP estava em plena consolidação do processo de inclusão, à época.Durante uma semana várias turmas se dedicaram a fazer entrevistas para saber quem era de algum modo diferente nas suas famílias e vizinhança. Também sugeriram ilustrações para o livro, desenharam seus amigos diferentes e fizeram redações. Na ocasião a TV do Rio de Janeiro, da Rede Globo, interessou-se pela experiência e entrevistou os alunos numa reportagem de Ana Paula Araújo, com pauta de Tim Lopes. Criança e adolescentes, quase todos moradores da favela Nova Brasília, falaram de suas emoções e descobertas a partir das pistas do ‘Um Amigo diferente?’ .

O livro conta a história de um amigo que afirma ser diferente. A cada página o amigo imaginário vai dando novas pistas, atiçando a imaginação dos pequenos leitores, que vão se deparando com temas pouco abordados no dia-a-dia, doenças e deficiências. Das diferenças simples, como ter seis dedos nas mãos – e tornar-se o campeão de fazer cócegas, da rua – até as mais complexas, como quando o personagem levanta a camiseta e mostra o corpo estrelado que há dentro de si e pergunta: “Quem sabe o mistério esteja dentro do meu corpo?” . Essa é a dica para o professor falar de AIDS, de câncer, de hemofilia e por aí vai,explica a autora. Aprender sobre deficiências e doenças crônicas é aprender sobre cada ser humano, acredita a jornalista, que explica que é a oportunidade de conhecer-se melhor. As crianças nascem aptas a lidar com qualquer tipo de diferença. Sendo o cotidiano, com sua diversidade mais fantástico do que qualquer sonho ou imaginação, seria natural para as crianças crescerem reconhecendo a humanidade como ela é, e não como os adultos acham que deveria ou gostaria que fosse. “Muito cedo, no entanto, família e escola, em uma parceria maléfica e preocupante, começam a corromper a meninada. Insistem em dizer que a deficiência faz parte de uma quarta dimensão da vida. Em casa, o assunto não é abordado com naturalidade.”, diz ela. Concordo com a colega de profissão, pois as crianças têm o direito de se desenvolverem exercendo sua capacidade de reflexão, de decisão e de ação dentro de um contexto real.

domingo, 14 de outubro de 2007

E afinal, que país é o nosso?

Gladis Maia

Todas as crianças, jovens e adultas em sua condição de seres humanos, têm direito de beneficiar-se de uma educação que satisfaça às suas necessidades básicas de aprendizagem, na acepção mais nobre e mais plena do termo, uma educação que signifique aprender e assimilar conhecimentos, aprender a fazer, a conviver e a ser. Uma educação orientada a explorar os talentos e capacidades de cada pessoa e a desenvolver a personalidade do educando, com o objetivo de que melhore sua vida e transforme a sociedade.Marco de Ação de Dacar, abril de 2000.

É possível trabalhar em direção à Inclusão no Brasil quando milhões de crianças são excluídas da Escola por que se ‘comportam mal’ ? Por que ‘não aprendem’ ? Por que precisam trabalhar, para ajudar aos pais no sustento da família? Por que milhares delas vivem nas ruas - desse nosso continental país - longe da escola, onde deviam estar e aonde foram desprezadas ou maltratadas, muitas vezes?
Isso sem falamos das crianças com NEE, Necessidades Educacionais Especiais, que de certa forma são quase a maioria delas, em algum momento ou outro de sua aprendizagem ... Todos sabemos que as escolas e o sistema educacional não funcionam isoladamente. O que acontece dentro de seus muros é sempre reflexo da sociedade que impera fora dos seus portões. Os valores, as crenças e as prioridades da sociedade permeiam a vida e o trabalho no seu interior, até porque quem vivencia a práxis do ensino-aprendizagem é também cidadão desta mesma sociedade.
Cidadão este que sendo um idealista acabará indo de encontro às crenças e as atitudes daqueles que detêm o comando do sistema educacional. Irá de encontro à acomodação de muitos diretores e administradores de escolas e também dos numerosos professores desencantados - no e com - seu trabalho. Não é à toa que cresce o número de alunos desestimulados que lá encontramos.
O idealista no seio das escolas vai ter muito trabalho para por suas idéias em prática. No mínimo não será muito bem visto, pois a maioria, ao longo dos tempos, prefere a mesmice. O maior obstáculo para que as mudanças ocorram nestas atuais circunstâncias, está instalado em nossas mentes e em nossos corações. A tendência é a de subestimar as pessoas, rotulá-las, além de superestimar as dificuldades imaginando antecipadamente o fracasso.
Meditando sobre esses sentimentos, apresento aos leitores uma experiência de inclusão que segue seus rumos, com seus altos e baixos, mas acontecendo, há já bastante tempo na África. Experiência lá descrita como integração. Os dados foram colhidos da obra: Educação Inclusiva - Contextos Sociais, de Peter Mittler.
A experiência acontece em Lesoto, na África do Sul, um dos países mais pobres do mundo, com dois milhões de habitantes, pequeno, mas que vê a educação como prioridade. Lá uma comissão foi estabelecida para estudar as possibilidades da integração em 1987 e como parte de seu compromisso com a Educação para Todos, lançou um programa-piloto, em 1993. Nele, dez escolas de Ensino Fundamental rurais incluíram todas as crianças com deficiências nas salas de aula regulares. Em torno de 300 crianças com deficiência participaram do programa-piloto, num total de 9 mil matriculadas.
Para a execução do processo, quase todos os professores das escolas selecionadas passaram por uma capacitação intensiva de três semanas que, segundo pesquisas posteriores, de Mittler e Platt, se tornaram mais confiantes. Os autores, que tiveram oportunidade de visitar estas escolas, comentam que, na maioria das vezes, embora as classes fossem de 50 a 100 ou mais alunos, as crianças portadoras de deficiência aparentavam estar social e educacional-mente integradas.
Os autores explicam que os professores se valiam de uma série de estratégias de ensino, incluindo diferenciação curricular, trabalhos em grupos pequenos, ensino individual e apoio aluno a aluno. Valiam-se também de estratégias práticas para tornar os alunos portadores de deficiência sensoriais e físicas capazes de terem acesso imediato ao professor e ao quadro-negro, sem estarem separados dos outros estudantes. Referem que durante todo o tempo, os estudantes com necessidades especiais estavam totalmente engajados em alguma atividade, assim como seus colegas estavam.
De acordo com as observações dos autores da pesquisa, pode-se concluir que as habilidades dos professores provavelmente já faziam parte da qualidade de ensino dos professores anteriormente à implantação das turmas inclusivas, pois não seria a rápida capacitação que os prepararia para agirem assim, tão desenvoltos, como podemos observar nas palavras dos pesquisadores: “os professores com 50 ou 100 estudantes na sala de aula nunca perderam a chance de incluir todos os alunos nas atividades de classe. O fato de os alunos parecerem altamente motivados para aprender e apoiar um aos outros com naturalidade, forneceu um fundamento natural e sólido ao programa, que já se estendeu à ampla gama de diversidade de alunos na sala de aula. Sentimos que esses professores já eram ‘naturalmente inclusivos’, na suas salas de aula.”
Ficam as dúvidas nossas e dos autores, acerca da insistência geral de que é necessário uma preparação intensiva dos professores antes da inclusão ser introduzida. Não estaremos subestimando as habilidades e a experiência de muitos professores que, como em outras paragens, já seriam também inclusivos por aqui? Os programas de capacitação não deveriam ser construídos sobre as competências que já existem em muitas salas de aulas de nossas escolas ? Vamos abrir nossos corações, como muitos desses professores de boa-vontade já abriram os seus? Vamos abri-los, juntamente com nossos corações para receber toda e qualquer criança com NEE na Escola e lutar para que elas permaneçam o maior tempo por lá, ainda que não obtenham o ‘ tão importante diploma’ !?