sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A tv nossa de cada dia: mau caratismo e charlatanice, é isto que queremos para nossas crianças?


Gladis Maia
[...] Se no efeito placebo, o paciente abre as portas de seu psiquismo pela fé que tem no poder do tratamento, na experiência televisiva o espectador deixa aberta as suas por ingenuidade e desconhecimento do poder socializador do meio [...] os dois casos têm em comum o fato de que produzem a maior parte de seus efeitos desde as emoções e desde a burla da consciência e da racionalidade. [...] Joan Ferrés in Televisão Subliminar.

A TV – que dia a dia mais se transforma na cara da globalização e traz consigo o avanço da tecnologia da comunicação – vem encantando e gerando legiões de seres mediatizados, à sua maneira. Esta enorme força que traz nas entranhas poderia servir à paz e à fraternidade entre os homens. Poderia assumir um compromisso com a cidadania e sustentar para hoje, amanhã e sempre a democracia. Poderia incentivar a solidariedade, a liberdade, a igualdade de direitos, o respeito à divergência e à singularidade. Poderia promover a consciência nos homens e a compreensão entre os povos, através do conhecimento de - e respeito a - outras culturas, além é claro do seu próprio contexto cultural.
A programação – especialmente a chamada infantil – deveria não apenas divertir a criança, mas ao mesmo tempo, estimular o seu desenvolvimento espiritual e social, em todas as suas possibilidades de desdobramento. Mas não é o que temos assistido! Minhas elucubrações são ainda um sonho a perseguirmos... Sob o manto roto e desbotado do assistencialismo barato ou em reportagens duvidosas e bizarras de alguns programas - como os do Ratinho e do Silvio Santos – e às vezes até nos telejornais - a grande lição é o sensacionalismo travestido de pieguice.
Quem pode passar impune pelos bate-bocas de casais, famílias, de travestis, de vizinhos? Quem pode passar impune pela nudez total sem contexto algum para justificá-la? Quem pode passar impune pelas anomalias - as mais variadas - mostradas em shows, expondo pessoas simples ao vexame público. São cenas - não raras vezes - forjadas de flagrantes de adultério, falas e músicas de conteúdo vulgar, dando um tom apoteótico ao conteúdo nefasto...O cúmulo da miséria moral é explorar a miséria alheia, habilidade na qual os apresentadores de tais programas, entre outros, são doutores.
Outra grande vedete da televisão brasileira é o crime! Quem não lembra daqueles 42 minutos de entrevista com o maníaco do parque, que confessou ter estuprado e matado dez mulheres em São Paulo? A Rede Globo, naquela ocasião, como em muitíssimas outras, se superou, dando um tratamento dramatúrgico à matéria, espetacularizando a notícia...
Nos programas de auditório a tônica são os rebolados e as danças eróticas! Mas o pós-graduação da sexualidade barata fica por conta dos programas infantis, onde as crianças imitam seus ídolos tipo as tiazinhas e feiticeiras e suas coreografias como as inesquecíveis danças da garrafa e tcham... Lembram? E o pior é que: muitos pais e professores acham ‘a coisa mais querida’, por que elas fazem ‘direitinho’...
E agora a TV virou um enorme buraco de fechadura, escancarado – liberando e até oficializando o que Psicologia sempre tratou como desvio de sexualidade: os voyeurs de plantão. São criaturas que assistem, impavidamente, ou se dando ao luxo de agir de forma participativa: via telefone ou e-mail - da bagaceirização do ser humano, nos Big Brothers da vida ... Classifico tal programação como o império da cretinice, da falta de elegância, da falta de ética, da falta de hombridade, para não enumerar muitos outros atributos! Ali, exposto, 24 h do dia, para qualquer espectador ver-se e espelhar-se! Aulas práticas ao dispor da criançada que aprende como o ser humano não deve ser.
Infelizmente os pais – novamente - até acham graça das opiniões das crianças a respeito, pois elas prestam muita mais atenção do que os adultos, ao desenrolar das intrigas que se estabelecem no lar doce lar televisivo do que eles próprios... Se não sabem, pasmem, o maior número de e-mails enviados para os participantes desse programa marca-diabo são delas!
Eu me pergunto é porque não dão um trabalho, um projeto sadio e útil para aquelas criaturas recheadas de mesmice e mau caratismo executarem durante a meteórica estada na celebridade? É claro que não poderia ser muito difícil, pois a especialidade dos hospedados está mais para a sociopatia, onde o nível de inteligência até existe, mas é embotado para o bem, pois sói acontecer na maldade, visando prejudicar os outros ...
E ainda apregoam que a TV e você tem tudo a ver, uma relação próxima tal qual um caso de amor... Então tá! Num país em que dois terços da população é afro-descendente e outros tantos milhares são pobres, analfabetos e lutam pela sobrevivência com dignidade, onde está este espelho?
Onde se reflete a nossa negritude, a nossa miséria, a nossa ignorância e a honestidade que reinam entre os brasileiros? Qual é a identidade nacional apresentada pela TV? Nas novelas, por exemplo, a maioria das famílias são compostas por brancos, ricos e de péssimo caráter?! Portanto, se somos pobres, negros, não somos bandidos, não gostamos de rebolar, e, se a TV que a gente vê se parece conosco, logo temos que concluir que não existimos, não é?
Fica a pergunta:considerando-se que os programas de adultos são os mais assistidos pelas crianças, raciocinem comigo para aonde estamos nos dirigindo, num país onde 90% dos lares têm pelo menos um aparelho de TV, e que, na maioria destes lares é ela que impera soberana no lazer, nas informações do que vai pelo mundo e na formação de um número elevado de crianças que assistem televisão, em média, três horas diárias, acarinhados pela babá eletrônica?

Nenhum comentário: