quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O DESAFIO É: APRENDER A VIVER COM UMA APRENDIZAGEM CIDADÃ.




Gladis Maia

Muitos professores estão instalados em seus hábitos e
autonomias disciplinares. [...] como lobos que urinam para marcar seu território e mordem os que penetram.


O autor da epígrafe deste artigo, Edgar Morin – sociólogo francês, autor de A Religação dos Saberes, Ciência com Consciência, entre outros títulos – aborda, em “A Cabeça Bem-Feita: repensar a reforma reformar o pensamento”, uma não tão velada crítica aos saberes estanques, compartimentados em disciplinas, tais como se apresentam na contemporaneidade nos currículos escolares.


O livro apresenta - em poucas e complexas páginas - idéias a respeito de uma reforma de ensino que demanda para o seu sucesso também uma reforma na cabeça dos reformadores.


Morin acredita que os problemas do limiar do século XXI (a obra é de 1999), cada vez mais transnacionais e planetários, reclama uma inter-poli-transdisciplinaridade entre os saberes.


Para o autor, os desenvolvimentos disciplinares das ciências acarretaram a hiper-especialização corrente em nossos dias, produzindo não só conhecimento e a elucidação, vantagens para a divisão do trabalho, mas o despedaçamento do saber , ao se fechar em si mesma, sem permitir sua integração em uma problemática global ou em uma concepção de conjunto do objeto de estudo,seja qual for ele.


A organização disciplinar, nascida no século XIX, com a formação das universidades modernas e desenvolvida crescentemente no século XX, com o impulso da pesquisa científica, a par das grandes descobertas, trouxe ao ensino a incapacidade de articulação dos saberes e o atrofiamento da qualidade fundamental da mente humana, ou seja, sua aptidão para a contextualização e integração.


Trouxe ainda o desafio da expansão descontrolada do saber. Nas palavras do ensaísta francês: “O crescimento ininterrupto dos conhecimentos constrói uma gigantesca torre de Babel, que murmura linguagens discordantes. (...) em toda parte, nas ciências como nas mídias, estamos afogados em informações. O especialista não chega sequer a tomar conhecimento das informações concernentes à sua área”, dificultando, conseqüentemente, a integração de novos conhecimentos para a condução de nossas vidas.


Essa falta de percepção global enfraquece o senso de responsabilidade e, por conseqüência, a solidariedade. Cada um tende a responsabilizar-se por sua tarefa especializada. Ninguém mais conserva o elo orgânico com a cidade e seus concidadãos.


Enquanto o expert perde a aptidão de conceber o global e o fundamental, o cidadão perde o direito ao conhecimento, muito mal compensado pela sua vulgarização na mídia.


Morin levanta também a problemática histórica e cabal da necessidade de uma democracia cognitiva, pois quanto mais técnica torna-se a política, mais regride a competência democrática.


Autoridades em ensino parecem desconhecer que o desenvolvimento das aptidões gerais da mente permitem o melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas.


Ele denuncia também que o livre exercício da curiosidade( faculdade comum e mais ativa na infância e na adolescência), a arte da argumentação e da discussão, a valorização do pensar bem, a reflexão sobre os conhecimentos científicos, a serendipididade ( arte de transformar detalhes aparentemente insignificantes, em indícios que permitem reconstruir toda uma história) estão quase todo o tempo fora dos trabalhos, durante a Escola Fundamental e Média.


O ensaísta esclarece que os atributos de um ensino educativo acima descritos são geralmente desprezados, em nome de uma autodisciplina e bom comportamento infecundos e de uma acumulação de conhecimentos, também estéril.


Como esclarece o autor, o conhecimento comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análise e síntese. Nosso ensino tem privilegiado a separação, em detrimento da ligação, e a análise, em detrimento da síntese. Sendo que é um imperativo da Educação contextualizar e globalizar os saberes: reconhecer a unidade dentro do diverso e o diverso dentro da unidade.


A cultura das humanidades – que favorece a aptidão para a abertura a todos os graus e grupos de problemas – aliada à cultura científica, numa “Educação para uma cabeça bem-feita”, pode promover a capacidade , ao longo das diversos níveis de ensino, para se responder aos formidáveis desafios da globalidade e da complexidade na vida quotidiana, social, política, nacional e mundial, na sua visão.


Diz que o ensino contemporâneo, ao tender ao programa, está defasado, porque a vida exige estratégia e, se possível, serendipidadade e arte.
A estratégia opõe-se ao programa, ainda que possa comportar elementos programados, pois o programa só funciona em condições externas estáveis; a menor contrariedade desregula sua execução. Já a estratégia procura, incessantemente, reunir informações colhidas ao acaso, durante o seu percurso. A estratégia, ao trazer a consciência da incerteza que vai enfrentar – lembre que no Brasil estamos em tempos de implantação da inclusão em nossas escolas – encerra uma aposta, exigindo fé e esperança.


Percebamos que, já é mais do que hora da Educação decidir-se por um ensino que realize a convergência de vários ensinamentos, mobilizando diversas ciências e disciplinas para enfrentar a incerteza do mundo que muda, numa velocidade vertiginosa, em todos o sentidos.


Em sendo assim, a Educação deve - acima de tudo - passar a contribuir para a auto-formação da pessoa, ensinando ao aluno a assumir sua condição humana, ensinando-o a viver e se tornar cidadão solidário e responsável pelo seu semelhante, pela sua comunidade próxima, pela sua pátria, continente, planeta e até mesmo o cosmo. E, para que tudo isto aconteça, mais do que nunca é preciso amar, pois, “Onde não há amor, só há problemas de carreira e de dinheiro para o professor; e de tédio, para os alunos.” Particularmente, gostei da leitura e a recomendo. Vale a pena conferir!Namastê!

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