domingo, 28 de outubro de 2007

E SE INVERTÊSSEMOS ESSE PROCESSO MUTILADOR , TRANSGREDINDO O ENTÃO ESTABELECIDO?

Gladis Maia

A compreesão permite considerar-se o outro não apenas como ego alter um outro indivíduo sujeito, mas também como alter ego, um outro eu mesmo, com que me comunico, simpatizo, comungo. O princípio da comunicação está, pois incluído no princípio de identidade e manifesta-se no princípio de inclusão.
Edgar Morin (2003).

Habituamo-nos a ser referência, por isso é tão difícil valorizar o saber de alguém a quem rotulamos de deficiente. Ainda não somos permeáveis a uma efetiva comunicação de mão-dupla com pessoas em relação às quais nos sentimos superiores. Seremos capazes um dia? Esperamos que sim, tão logo a sociedade inclusiva se formate. Temos esperança, acreditamos no homem e na solidariedade, mesmo que ainda haja pessoas que ainda nem sequer colocaram o assunto em pauta ... Você já se perguntou o que os deficientes pensam sobre os normais ? O verso é conhecido, e o reverso ?

Cada civilização tem o seu padrão de comunicação social aceito e institucionalizado. O silêncio tem sido, ao longo dos tempos, a fala oficial dos dominados! Eles não costumam freqüentar a mídia... A crise da comunicação é nossa, dos vencedores. A crise e a sua transmutação está nas mãos de quem sempre falou e pouco ouviu... Para superá-la, será preciso que nos dediquemos a um exercício de auto-questionamento.

Será que desejamos ouvi-los? Estamos preparados para tanto? Achamos importante atender suas reivindicações? Acreditamos na coerência deste discurso? Que tipo de relação imaginamos ter no futuro, com essas pessoas que por tantos séculos não tiveram expressão social? O que elas têm a dizer sobre nós?

O grande salto é aprender a ouvi-las, perceber seus talentos e fraquezas - características de todos os seres humanos - reconhecer seu pertencimento à sociedade, deixá-las exercerem sua cidadania, de fato e de direito. Quanto mais legítimo for esse processo, mais essas pessoas serão descaracterizadas como seres passivos e mais perto se estará da sociedade inclusiva.

Mas não são só os deficientes que deverão ter vez e voz na mídia, na escola, na vida, na sociedade inclusiva. A prioridade deve ser conferida aos grupos mais desfavorecidos e vulnerabilizados pela condição de pobreza, os analfabetos, as populações rurais, as crianças, as minorias étnicas e religiosas, entre tantos outros. Como afirma Morin in A Cabeça Bem-feita: repensar a reforma reformar o pensamento, a educação pode ajudar a tornar os seres humanos melhores se não mais felizes, e ensiná-los a assumir a parte prosaica e viverem a parte poética de suas vidas.

Nas suas palavras, uma pessoa só compreende as lágrimas, o sorriso, o riso, o medo, a cólera de outro, ao ver o ego alter como alter ego, pela própria capacidade de experimentar os mesmos sentimentos. Nas suas palavras: Se vejo uma criança em prantos, vou compreendê-la não pela medição do grau de salinidade de suas lágrimas, mas por identificá-la comigo e identificar-me com ela. A compreensão, intersubjetiva, necessita de abertura e generosidade.

Como argumenta Cláudia Werneck in Ninguém mais vai ser bonzinho na Sociedade Inclusiva, a verdadeira comunicação só se dará quando os seres humanos respeitarem os saberes distintos daqueles que lhes são habituais. “Cada um de nós constrói no decorrer da vida, saberes diferentes. Saberes como filhos, estudantes, apaixonados, profissionais. Pessoas com deficiência mental têm um saber extra que á relação de todos esses saberes com sua condição peculiar. [...] como é viver com paralisia cerebral? Doença renal? Tornar-se tetraplégico?” Já pensaram nisto?

O homem celebra com facilidade o saber de alguém que admira. Difícil é aceitar um saber que pareça incoerente ou que aparentemente nada vai acrescentar. Comunicação é acordo, acordo não se impõe, nem se manipula. Busquemos um consenso permanente. A compreensão do mundo não é monopólio de ninguém. Uma sociedade democrática é sempre polifônica. São muitas vozes, representando os interesses e anseios dos seus diferentes segmentos e classes. São diferentes desejos, sonhos e necessidades.

Construir caminhos de escuta das diferentes vozes e de seus diferentes códigos e linguagens; construir caminhos de participação e de decisões que privilegiam o bem comum e não apenas os interesses específicos ou individuais é o grande desafio da sociedade da primeira década e de todo o século XXI. Comecemos pela escola, lugar de encontro de gerações e de formação dos cidadãos que um dia comandarão esta e outras nações.

A olhar para o desmazelo em que a nossa Pátria amada e não tão idolatrada se encontra, ao longo dos sucessivos governos, parece que fica claro que a maioria de cidadãos brasileiros não aprendeu a principal lição que a escola deve fornecer: a ética.

Queiramos ou não, à escola, na ausência da família, cabe este papel na história. Cabe a ela apropriar-se dele, não para decidir por, mas decidir junto e, mais ainda, educar ética, moral e esteticamente. Uma sociedade autônoma é feita de cidadãos que são sujeitos de seus caminhos, que fazem escolhas conscientes de suas opções. Uma sociedade inclusiva é a que permite que todas as diferenças sejam explicitadas em busca de um consenso. Uma sociedade democrática, autônoma e inclusiva é aquela onde todos têm o direito a voto, a vez, a representação e a participação na gestão das suas diferentes instituições e, mais ainda, é aquela que almeja a felicidade de cada um e a de todos.

Um comentário:

Sentinela do Jacuí disse...

Gládis, não pude visitar teu blog antes, mas o faço neste dia de natal e vi que este foi o momento agendado por Deus. Parabéns, ele está show!!!

Os textos são de uma plasticidade literária única, e eu, como leitor contumaz de boa literatura vou ser vitante assíduo!
parabéns!