domingo, 20 de janeiro de 2008

Desempenho escolar, uma questão sempre atual e controvertida.

Gladis Maia
Não faça os meninos aprenderem pela força e pela severidade; ao contrário. Conduza-os por aquilo que os diverte, para que possam descobrir melhor a inclinação de suas mentes.
Platão,in A República, VII.
Muitos pais, temendo o futuro de seus filhos, preocupam-se com os seus estudos, mas esquecem - ou não se dão conta - de que para elas, as crianças, o futuro significa amanhã, ou no máximo daqui a alguns dias. Segundo o psicanalista Bruno Betelheim, autor de, entre outras obras, Uma Vida para seu Filho, mesmo o término do período da vida escolar delas, para não se falar em sua vida adulta, está a uma eternidade de distância, incompreensível e inimaginável.
E, exatamente porque a criança não tem compreensão do futuro é que o presente tem suma importância para ela. A insatisfação de seus pais significa muito para ela, porque acontece no presente, hoje, enquanto que, a origem desse descontentamento – a tal preocupação com o futuro – não tem sentido para ela.
O psicanalista defende que para a maioria das crianças é muito importante que seus pais se interessem por seu aprendizado, mas esse interesse deve voltar-se para o que acontece diariamente, pois é assim que a criança vive e é assim que entende a vida.
O ingrediente essencial para o êxito da maioria das crianças na Escola é uma relação positiva com os seus pais e com o envolvimento deles em assuntos intelectuais. A criança deseja ter aceso a tudo o que é importante para aqueles a quem mais ama na vida: seus pais! Quer aprender mais sobre as coisas que significam tanto para eles, também deseja agradar-lhes, obter sua aprovação - agora mesmo - assim como a da professora e a de outras pessoas que também são importantes para ela. Aplicar-se aos estudos parece-lhe um modo relativamente fácil de obter tudo isso. Evidentemente que isto ocorre quando são considerados padrões de comportamento tidos como normais.
Como afirma Betelheim - que durante sua reconhecida carreira como terapeuta tratou de inúmeras crianças – quando elas se saem bem nos estudos são imensamente recompensadas. Primeiro com as boas notas, depois com o contentamento dos pais, a estima dos professores, o reconhecimento dos colegas e de outras pessoas. Portanto, se algumas delas possuem os requisitos necessários para se saírem bem na Escola e mesmo assim fracassam, deve haver razões muito mais poderosas do que as que envolvem o êxito e suas recompensas, para que elas optem pelo fracasso.
Para entendê-las, devemos encarar a aprendizagem por uma perspectiva a partir da qual o fracasso parece mais desejável do que o sucesso. Se pais e professores tentassem ver as coisas pelo prisma da criança, ao ponto de sacarem o porquê da escolha da criança, entenderiam seu raciocínio e o considerariam lógico.
O psicanalista ilustra essas idéias com um estudo um estudo de caso, que resumo a seguir.Trata-se de uma adolescente cujos pais eram muito ambiciosos, professores com uma carreira acadêmica de sucesso e, por isso mesmo, atribuíam grande importância aos estudos dos filhos. Ela porém era uma aluna mediana, diferente do irmão mais velho que era realmente estudioso, mas costumava sair-se razoavelmente na Escola. Eis que de repente reprovou em todas as matérias e passou a desinteressar-se pelos estudos, para desespero da mãe que tentava dar-lhe bons livros, controlar o tempo que ela via TV e a reprovava, aberta e severamente, na frente dos inúmeros amigos com quem dedicava-se à ociosidade. Nem a mãe nem os professores achavam a luz no fim do túnel, não entendiam o porquê do comportamento da menina.
A mãe enfim pediu socorro profissional que custou a dar resultados, já que tudo informava ao terapeuta, menos que separara do marido, em meio ao problema. Ela esquecera de falar... Ou melhor, a dor não a deixava falar no assunto, mas mesmo assim não lhe ocorrera que a menina poderia ter razões válidas para comportar-se como vinha fazendo. Na sua concepção a indolência e a busca de divertimento da menina pareciam explicações suficientes.
Se a mãe tivesse partido da convicção de que a filha teria tão bons motivos para as suas atitudes quanto ela para querer vê-la lendo boa literatura... Ou seja: a primeira sentia-se na obrigação de zelar mais pela filha, após a separação, e a menina achava que se fracasse em todas as matérias, não apenas numa ou noutra, o pai retornaria para a família, já que valorizava tanto o êxito escolar dos filhos.
Ela era esperta o bastante para saber que se continuasse a ter a média na escola seu pai interpretaria isso como um sinal de que estava tudo bem, apesar de sua saída de casa, não havendo portanto necessidade de ele voltar. Seu fracasso total, coisa que nunca ocorrera antes, poderia preocupá-lo a ponto de fazer as coisas voltarem a ser como eram antes.
Mesmo que não percebamos de imediato, muitas vezes atitudes completamente diferentes podem ter o mesmo objetivo, como no caso da menina e de sua mãe. Ambas queriam chamar a atenção do pai/marido. Portanto, a nós mestres, cabe-nos a escuta, a observação mais amiúde, quando estranhas coisas parecem começar a ocorrer entre as quatro paredes de aula...
Com ou sem razão, por vezes, todas as crianças sentem exatamente isso que essa menina sentiu: que seus pais estão muito mais interessados em outras coisas do que nelas. Por isso é tão importante o predomínio da aprovação dos pais e dos professores para o que a criança faz. Só quando ela se sente segura dessa aprovação é que está apta a suportar críticas ocasionais a seu comportamento, do contrário sofre muito, chegando às vezes a se desestruturar.

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