sábado, 19 de janeiro de 2008

Eles são da geração pós-TV e aprendem diferente de nós - II parte



Gladis Maia
O que a música nos oferece é a aguda
tomada de consciência da morte dos
conteúdos. G. Berger.

Entre os pós-gutembergueanos - os que se expressam através da linguagem audiovisual e não da escrita - fala-se mais do que se escreve. Vê-se mais do que se lê e sente-se antes de compreender. Enquanto um livro é redigido com distanciamento, um script é composto no calor da criação. Isto é uma diferença básica.
Na linguagem audiovisual os ruídos lançam o ouvinte dentro do lado concreto de uma situação, a música cria um clima, a imagem, ao mesmo tempo que fixa, leva para longe. A palavra estrutura o discurso. Nesta linguagem a estética e a capacidade de empatia são fundamentais, mais do que a reflexão. Ela apela primeiro aos sentidos, depois à inteligência. A linguagem não pode ser rebuscada, literária, tem que ser popular, dialogada, para aproximar.
Acompanhar as mídias é viver no drama: das notícias, dos filmes policiais, dos jogos inacabados e das dramatizações.É o império da anormalidade, do sensacionalismo! Frenesi de pressa e consumo desenfreado de neurônios. No telejornalismo, é puro drama, ação. Uma ação que se alimenta de acontecimentos cuja força é aumentada, ou, de simples pormenores que conseguem se tornar chocantes e ocupar todo o campo da consciência.
A composição audiovisual não se desenrola como uma história regular de trás para frente. Nem é didática. Não se apresenta como uma divisão da realidade, em partes articuladas, com lógica aristotélica. Não é sintética, partindo de um visão de conjunto para mostrar ou analisar, sucessivamente, os pormenores. Ela se apresenta em flashes, aparentemente sem ordem, num fundo comum. As imagens parecem-nos lançadas ao rosto. Mas sob essa aparente desordem, pode reinar uma rigorosa ordem subjetiva.
As queixas dos pais, dos professores e dos especialistas entrevistados na pesquisa de Babin e Kouloumdjian, já citda na I parte deste artigo, não deixam de ser similares às apresentadas pelos educadores brasileiros, sobre seus alunos. Falam da dificuldade de compreensão de vocabulário; do uso de linguagem oral nas redações; de frases tipo slogan ; que a página escrita não tem consistência, nem permanência, como se fora um programa de televisão; não consideram mais a ortografia, escrevendo como se pronunciam as palavras; só conseguem guardar da dissertação uma palavra-chave, uma informação; textos com abreviações estranhíssimas, repetições.
Evidentemente que contribuem para isso não só a TV, o cinema, mas a falta de leitura, a carência do meio social, o não uso de dicionário, apontam os educadores. Os jovens de hoje em dia são essencialmente visuais, eles lêem o que podem visualizar, e se desinteressam por livros demasiados conceituais. Se eles não conseguirem imaginar as idéias, não compreendem o texto. Da mesma forma, a fala é cada vez mais sensorial e visual.
A geração da televisão exprime o que vê e ouve, da maneira como vê e ouve. Há muita dificuldade para exprimirem idéias que não tenham raiz sensorial, ressonância emocional ou contorno visual.
Os autores estão cobertos de razão, quando dizem que o parece ser sem pé nem cabeça é assim, considerando-se a organização linear do discurso. Na realidade, na linguagem audiovisual desses jovens o que conta é a visão do todo, e não as ligações entre as partes desse todo. As distinções e as articulações do discurso desaparecem em benefício de uma imagem global. Há o predomínio da visão subjetiva e global.
Nesse tipo de linguagem prefere-se um bom estímulo inicial a uma boa explicação, mas a correspondência, a prova do raciocínio vem depois. O que comanda as conexões numa conversa, por exemplo, é a preocupação da relação com o grupo, ou com o meio, mais do que com a lógica interna do discurso.
A própria imagem e a experiência das relações é mais importante do que o discurso. É essa a ordem que preside as seqüências dos telejornais. Se vai de notícia a notícia, sem lógica aparente, e é o telespectador que liga os pedaços, se pelo menos o conjunto lhe deu alguma experiência unificada. Todas essas influências fazem com que os jovens sintam a necessidade de uma outra linguagem, mais livre, mais imaginativa, mais rápida.
Como guardar o essencial da aquisição de Gutemberg – a escrita - e, ao mesmo tempo, assumir os novos modos e valores da linguagem audiovisual? É este o desafio que a sociedade atual, e, em particular a Educação, precisa aceitar! Se os jovens forem abandonados à sua linguagem - com a força interna de desordem e de desagregação que carrega consigo – o assassinato das línguas nacionais cultas ocorrerá em breve, muito em breve, por este planeta à fora. Porém, recolocá-los dentro do discurso literário tradicional, com o padrão culto de linguagem – em raríssimas exceções – será impossível.
Conforme os autores, com os quais concordo na íntegra, é necessário que se exija, pelo menos na escola, às formas de linguagem para as quais os jovens têm, ou tem demonstrado atualmente um talento quase espontâneo, uma certa linguagem publicitária, digamos. É imprescindível que estejamos abertos à inovação e mais permissivos à transição, pois com o passar dos tempos o novo reinará e já será velho novamente...



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