sexta-feira, 26 de outubro de 2007

O real ou virtual na telinha, eis a questão a ser vista por pais e professores da garotada!


Gladis Maia


...a fraternidade humana, o amor pelo outro, a comunhão, enfim a superação do egoísmo, o desabrochar da vida pessoal na vida coletiva não são ainda senão mitos, a única cultura é a de massas. Edgar Morin.

Pais e professores não devem se iludir a respeito da TV - especialmente em tratando-se da educação de crianças e jovens – enquanto canal de comunicação sócio-cultural. Ela encontra-se a serviço do sistema social em que se localiza. Sua produção baseia-se na doutrina social, ou na ideologia do sistema, o que implica em que ela não seja posta em questão nunca. No Brasil, inserida numa sociedade de capitalismo dependente - terceiro-mundista e organizada com base em princípios de liberdade de pensamento, expressão e crença, assegurados pela Constituição - a TV vem sendo orientada pela ética capitalista, visando antes, e, acima de tudo, o lucro, a partir do qual tudo se justifica. Por isso veicula - lepidamente, ao longo de toda a sua transmissão - valores e princípios da ética capitalista, tais como: o individualismo, a competição, o materialismo, virtuosamente concretizados nas cenas dos comerciais, novelas ou telejornais.

Até há pouco tempo em nosso país considerava-se a comunicação como sinônimo de Showmanship, ou seja, um veículo especialista na habilidade para manejar as emoções da massa. Todos sabemos que a cultura de massa leva modelos culturais a todos os domínios: às relações amorosas, de beleza, de vestuário, sedução, erotismo, saber, viver, alojamento... Modelos afetivos práticos de personalidade! Morin aponta para o perigo dessa influência sobre o público, pois essa nova cultura mediática age diferentemente, de acordo com o nível cultural dos povos a ela submetidos. Da mesma forma, alerta também sobre as conseqüências psicológicas, morais e éticas da cultura de massa sobre o homem.

Diferente de outras culturas que existem ao longo do tempo da história humana esta não cultua, não defende, não prega o engrandecimento humano, não traz no seu bojo a hominização. Morin preceitua que a cultura de massa bloqueia, reciprocamente, o real e o imaginário, numa espécie de sonambulismo permanente ou de psicose obsessiva. Assim ocorreria com todos aqueles que sem condições de adaptar uma parte de seus sonhos à realidade e uma parte da realidade a seus sonhos. Ou seja, a cultura de massa se adapta aos já adaptados e adapta os adaptáveis, integrando-se à vida social onde o grau de desenvolvimento econômico e social lhe fornece e favorece seres humanos. Há telespectadores que muitas vezes não conseguem distinguir a programação ao vivo do programa gravado. Não raro, alguns dentre eles telefonam para a emissora que está levando ao ar algum programa, para se referir a qualquer aspecto da emissão, supondo que a transmissão seja direta e surpreendem-se com o equívoco.

Para alguns analistas, um dos grandes perigos da televisão está nesse caráter híbrido, que favorece a (con) fusão entre informação e fabulação, ou entre registro documental e ficção ou, ainda, entre o presente exercido e o simulado, abrindo brechas para se vender gato por lebre. A inexistência de marcas distintivas entre as duas modalidades de programação televisual – a emitida ao vivo e a pré-gravada - acaba por confundir as categorias do real e do fictício e torná-las cada vez menos ontológicas e cada vez mais coercitivas, de onde o corolário invetável da TV como instrumento para a alienação. Umberto Eco lembra que na TV moderna temos visto surgir programas em que documentação e ficção se misturam de modo indissolúvel, a ponto de a distinção entre notícias verdadeiras e invenções fictícias tornar-se irrelevante. O público, de forma geral, merece que pelo menos os programas de informação digam a verdade, ou seja, atenham-se aos fatos, mesmo que todo mundo saiba - ou pelo menos intua - que de alguma forma todo fato é sempre manipulado ou interpretado na abordagem televisiva. Já nos programas humorísticos, novelas, filmes para TV, comédias e congêneres, aceitam-se liberalidades de toda espécie, pois já se sabe que eles trabalham apenas com fatos forjados pela imaginação, mesmo que - rigorosamente falando em termos de anunciação - não haja diferença audiovisual entre o desembarque na lua documentado ao vivo e outro extraído de um filme de ficção, por exemplo. E há os que tomam a ficção por realidade, como o telespectador que agride o ator que interpreta o vilão de uma novela ao encontrá-lo na rua. Comportamentos assim são considerados alucinatórios, mas o perigo maior está concentrado em pequenas aberrações, não nas grandiosas.

Cria-se assim uma ilusão referencial, segundo a qual o leitor, ouvinte ou telespectador, acredita que o que lê, ouve e vê na tela é a realidade, quando, na verdade, não é senão uma construção da realidade. Essa capacidade de construir a realidade é uma qualidade positiva dos meios como extensão do homem, pois permite ao receptor alargar o seu mapa do mundo. Mas também se constitui em um perigo porque permite aos meios oferecer um mapa tendencioso. Como o próprio nome parece indicar os media fazem um papel de mediação entre a realidade e as pessoas.

O que os meios de comunicação social mostram não é a realidade, mas a construção da realidade, da enorme quantidade de fatos e situações disponíveis a seu bel prazer, combinando-os entre si, e estruturando as mensagens e programas de ideologia, com seus estilos e intenções que lhes atribuem os comandantes dessas redes. Até agora a comunicação tem sido utilizada muito mais para legitimar e manter uma ordem social caracterizada pela exploração da maioria, pela verticalidade e o autoritarismo de relações, pela demagogia e o apelo às emoções fáceis. Pais e professores que alertem seus pupilos!


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