domingo, 14 de outubro de 2007

E afinal, que país é o nosso?

Gladis Maia

Todas as crianças, jovens e adultas em sua condição de seres humanos, têm direito de beneficiar-se de uma educação que satisfaça às suas necessidades básicas de aprendizagem, na acepção mais nobre e mais plena do termo, uma educação que signifique aprender e assimilar conhecimentos, aprender a fazer, a conviver e a ser. Uma educação orientada a explorar os talentos e capacidades de cada pessoa e a desenvolver a personalidade do educando, com o objetivo de que melhore sua vida e transforme a sociedade.Marco de Ação de Dacar, abril de 2000.

É possível trabalhar em direção à Inclusão no Brasil quando milhões de crianças são excluídas da Escola por que se ‘comportam mal’ ? Por que ‘não aprendem’ ? Por que precisam trabalhar, para ajudar aos pais no sustento da família? Por que milhares delas vivem nas ruas - desse nosso continental país - longe da escola, onde deviam estar e aonde foram desprezadas ou maltratadas, muitas vezes?
Isso sem falamos das crianças com NEE, Necessidades Educacionais Especiais, que de certa forma são quase a maioria delas, em algum momento ou outro de sua aprendizagem ... Todos sabemos que as escolas e o sistema educacional não funcionam isoladamente. O que acontece dentro de seus muros é sempre reflexo da sociedade que impera fora dos seus portões. Os valores, as crenças e as prioridades da sociedade permeiam a vida e o trabalho no seu interior, até porque quem vivencia a práxis do ensino-aprendizagem é também cidadão desta mesma sociedade.
Cidadão este que sendo um idealista acabará indo de encontro às crenças e as atitudes daqueles que detêm o comando do sistema educacional. Irá de encontro à acomodação de muitos diretores e administradores de escolas e também dos numerosos professores desencantados - no e com - seu trabalho. Não é à toa que cresce o número de alunos desestimulados que lá encontramos.
O idealista no seio das escolas vai ter muito trabalho para por suas idéias em prática. No mínimo não será muito bem visto, pois a maioria, ao longo dos tempos, prefere a mesmice. O maior obstáculo para que as mudanças ocorram nestas atuais circunstâncias, está instalado em nossas mentes e em nossos corações. A tendência é a de subestimar as pessoas, rotulá-las, além de superestimar as dificuldades imaginando antecipadamente o fracasso.
Meditando sobre esses sentimentos, apresento aos leitores uma experiência de inclusão que segue seus rumos, com seus altos e baixos, mas acontecendo, há já bastante tempo na África. Experiência lá descrita como integração. Os dados foram colhidos da obra: Educação Inclusiva - Contextos Sociais, de Peter Mittler.
A experiência acontece em Lesoto, na África do Sul, um dos países mais pobres do mundo, com dois milhões de habitantes, pequeno, mas que vê a educação como prioridade. Lá uma comissão foi estabelecida para estudar as possibilidades da integração em 1987 e como parte de seu compromisso com a Educação para Todos, lançou um programa-piloto, em 1993. Nele, dez escolas de Ensino Fundamental rurais incluíram todas as crianças com deficiências nas salas de aula regulares. Em torno de 300 crianças com deficiência participaram do programa-piloto, num total de 9 mil matriculadas.
Para a execução do processo, quase todos os professores das escolas selecionadas passaram por uma capacitação intensiva de três semanas que, segundo pesquisas posteriores, de Mittler e Platt, se tornaram mais confiantes. Os autores, que tiveram oportunidade de visitar estas escolas, comentam que, na maioria das vezes, embora as classes fossem de 50 a 100 ou mais alunos, as crianças portadoras de deficiência aparentavam estar social e educacional-mente integradas.
Os autores explicam que os professores se valiam de uma série de estratégias de ensino, incluindo diferenciação curricular, trabalhos em grupos pequenos, ensino individual e apoio aluno a aluno. Valiam-se também de estratégias práticas para tornar os alunos portadores de deficiência sensoriais e físicas capazes de terem acesso imediato ao professor e ao quadro-negro, sem estarem separados dos outros estudantes. Referem que durante todo o tempo, os estudantes com necessidades especiais estavam totalmente engajados em alguma atividade, assim como seus colegas estavam.
De acordo com as observações dos autores da pesquisa, pode-se concluir que as habilidades dos professores provavelmente já faziam parte da qualidade de ensino dos professores anteriormente à implantação das turmas inclusivas, pois não seria a rápida capacitação que os prepararia para agirem assim, tão desenvoltos, como podemos observar nas palavras dos pesquisadores: “os professores com 50 ou 100 estudantes na sala de aula nunca perderam a chance de incluir todos os alunos nas atividades de classe. O fato de os alunos parecerem altamente motivados para aprender e apoiar um aos outros com naturalidade, forneceu um fundamento natural e sólido ao programa, que já se estendeu à ampla gama de diversidade de alunos na sala de aula. Sentimos que esses professores já eram ‘naturalmente inclusivos’, na suas salas de aula.”
Ficam as dúvidas nossas e dos autores, acerca da insistência geral de que é necessário uma preparação intensiva dos professores antes da inclusão ser introduzida. Não estaremos subestimando as habilidades e a experiência de muitos professores que, como em outras paragens, já seriam também inclusivos por aqui? Os programas de capacitação não deveriam ser construídos sobre as competências que já existem em muitas salas de aulas de nossas escolas ? Vamos abrir nossos corações, como muitos desses professores de boa-vontade já abriram os seus? Vamos abri-los, juntamente com nossos corações para receber toda e qualquer criança com NEE na Escola e lutar para que elas permaneçam o maior tempo por lá, ainda que não obtenham o ‘ tão importante diploma’ !?

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