domingo, 14 de setembro de 2008

Ler bem, assim como tocar um instrumento, exige uma aptidão complexa!



Gladis Maia

A maior parte das pessoas leva muitos anos para chegar a um bom desempenho na leitura. E tal como a arte pianística, existem grandes variações entre indivíduos expostos a mesma dose de prática. Alguns poderão atingir em dois a quatro anos um nível de proficiência que outros só alcançarão em oito ou mais – ou talvez nunca.
Jeanne Chall, in Aprendendo a Ler.

Segundo Chall, após uma ano de instrução e prática, a criança típica , na primeira série pode ler sua cartilha e talvez uma estória ou um conto popular muito simples. Também poderá ler num livro de um primo que esteja mais adiantado na Escola – se as palavras forem como as de seu próprio livro, tanto o tipo de letra, como o grau de dificuldade de compreensão.

A aptidão essencial para a leitura é que permite obter o significado de uma mensagem manuscrita, digitada ou impressa. Embora ler e ouvir tenham muito em comum - pois ambos os atos utilizam a língua como instrumento – a mensagem escrita não possui a entonação, a acentuação tônica, a ênfase dada pelo interlocutor. Como estas características são dadas pela pontuação e outras convenções gráficas, para indicar ao leitor as pausas, o que deve destacar na leitura, o sentido e, às vezes, a própria conotação dada ao texto. E o domínio desses elementos realmente só é adquirido – além do seu estudo - com a prática, pelo hábito, com motivação, interesse pelo assunto e, é claro, pela leitura em si.

Evidentemente que ler, tal como ouvir uma mensagem falada é muito mais do que obter o significado literal da própria mensagem - se bem que isso por si só já se constitui numa proeza - quando fizemos uma pausa para refletir a respeito. Infelizmente nosso alunos, em geral, vem saindo do Ensino Médio sem entenderem o que lêem. A leitura madura implica ainda em obter mais do que a significação literal do texto, incluindo uma avaliação das idéias contidas nele, pela sua verdade, vaidade ou importância.

E isso é feito ao aferirmos essas idéias por nossa própria experiência ou conhecimentos. Refletimos sobre suas implicações, estabelecemos inferências ou extraímos conclusões que vão muito além do que está explicitamente enunciado no texto. Só com todas essas ações podemos dizer que estamos raciocinando, pensando o texto lido, pois num nível supremo de maturidade ler significa pensar e raciocinar, além de possuir um domínio completo da língua, de conceitos e experiência.

O que um principiante na arte da leitura tem de aprender para alcançar esse nível de excelência na capacidade de leitura? Se for uma criança de seus 6 anos de idade, ela já começa com um conhecimento de pelo menos um aspecto: o da linguagem. Provavelmente ela tenha um vocabulário de 4 ou 5 mil palavras. Segundo os lingüistas, em torno dessa idade essa criança possui um bom controle das principais estruturas gramaticais da sua língua. Geralmente é muito proficiente na recepção e produção de mensagens verbais: instruções simples, estórias, descrições. Através da escola e de suas leituras ela deverá continuar desenvolvendo a sua proficiência lingüística, o domínio de vocabulário e de conceitos, e o seu conhecimento da sintaxe mais avançada. A relação sólida entre linguagem e leitura não se desenvolve necessariamente só da linguagem para a leitura, mas de fato, pode funcionar em sentido inverso: da leitura para a linguagem.

Os estudos que conferem maior ênfase ao significado, parecem considerar a criança um pequeno adulto, que desde o começo é solicitado a reagir de um modo significativo à forma impressa de palavras, frases, períodos e estórias. Na maior parte do tempo as crianças – se o professor obedece às instruções dos manuais que acompanham as cartilhas e compêndios – é obrigada a responder a perguntas sobre as ilustrações e sobre o conteúdo do que é lido.

Mas é secundário na aprendizagem reconhecer as palavras e ler para adquirir significados. De modo geral os programas que enfatizam o código encaram a aprendizagem de leitura como um processo bifásico, em que a primeira fase se concentra no domínio do código alfabético e a segunda na leitura do significado. Embora a ênfase no significado para o principiante, a criança na realidade despende menos tempo no começo com a leitura significativa e mais no domínio do princípio alfabético.

Segundo as pesquisas – que acompanharam crianças até o início da 4ª série - ficou comprovado que aqueles programas que podem ser classificados como tendo uma ênfase mais acentuada no código, do que no significado tendem a produzir leitores que não só estão mais avançados no reconhecimento dos vocábulos e na ortografia, mas também nos testes de leitura significativa. Portanto, a ênfase sobre o código alfabético não desvia a criança da tarefa final, na realidade fornece-lhe os instrumentos para realizá-la. Os resultados das pesquisas também dão conta de que a ênfase sobre o código são ainda mais benéficos para as crianças de capacidade média e inferior, para as crianças de baixo status socioeconômico e para as crianças que constituem elevado risco, isto aquelas com alta probabilidade de fracasso.

Numa época em que se fala tanto em fracasso escolar nas séries iniciais,talvez resida aí uma das soluções a ser aplicada... Voltemos às velhas cartilhas!

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