quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Como trabalhar com a agressividade tão comum em nossas salas de aula?

Gladis Maia
Em muitos casos [...] o âmbito educativo é considerado como uma extensão do doméstico. E, assim, transforma-se no âmbito público, onde a imagem da feminilidade identifica o ser mulher com o ser mãe. Muitas vezes a figura da ‘professora gritona’, tão freqüentemente ridicularizada, pode corresponder à da ‘dona-de-casa mandona’. Cabe a nós, profissionais da Educação, outorgar à nossa tarefa o caráter de profissão prestigiada por si mesma, e não como extensão da tarefa materna, já que, deste modo, perverte-se tanto o papel materno como o docente .[...] Ensinar tem a mais a ver com uma obra de escultura grupal. Quanto mais difícil e duro é o material, maior pode ser o prazer do artista que trabalha com ele. Alicia Fernandez in A Mulher escondida na Professora.
Fernandez – na obra citada - ao falar da agressividade no contexto da aprendizagem explica que somos nós mesmos quem podemos causar-nos a maior agressão, quando anulamos a nossa capacidade criativa, não usando o juízo crítico. Se, como professores, não conseguimos usar nossa criatividade frente à agressão de um aluno, para pensar sobre a situação que deu origem a esse ato, somos nós quem estaremos nos auto-agredindo, partindo do fato de situarmo-nos em um nível imaginário como se o aluno e nós fôssemos os únicos seres no mundo e sempre houvéssemos vivido isolados. A quem agride essa criança quando nos agride? Se imaginarmos que é a nós, particularmente, só conseguiremos aumentar a atuação agressiva, se não houver um distanciamento “impedindo a gestação de um espaço de pensamento”, diz a autora. Na agressão do aluno estão implícitas outras situações presentes e passadas de sua história e é necessário que assim o faça, para a saúde da sua aprendizagem, assim como é necessário para a saúde do ensinante, que este possa descobrir a que ações, a que atitudes de seu ensinar – já que não é a toda pessoa do professor - dirige-se essa agressão.
Fernandez refere também que na sua experiência como professora pôde perceber que quando a agressão de um aluno se dirigia a um colega, a maioria das vezes ela se identificava com o agredido: “ali voltava a ‘raiva’ que havia tido que engolir quando me agrediam, em minha infância, porque o mandato de ser uma boa aluna, submissa e dócil, havia-me impedido de reagir frente à agressão, e muitas vezes sequer registrá-la”. Na tentativa de reparar o dano imposto àquela menina que fora se identificava com o agredido, porque mesmo sendo adultos, a criança que fomos permanece dentre de nós e ao lidarmos com tantas outras crianças precisamos elaborar, analisar, redescobrir os nossas fantasmas. Quem de nós não foi agredido quando criança? E como professores somos permanentemente vítimas, especialmente se nos identificarmos com as agressões, mecanismo este que nos desvaloriza e desautoriza frente às crianças, enquanto adultos e enquanto professores.
Em suas andanças pelos seminários, oficinas e cursos que professa, Fernandez diz que é comum acontecer da maioria dos professores presentes a esses encontros responderem a questão formulada, “O que é um bom aluno?” , com algo semelhante a: “ é o que aprende, investiga e resolve problemas.” Da mesma forma é comum que, durante o desenrolar do trabalho, por ocasião dos debates e das encenações que ocorrem, estes mesmos professores acabem fazendo referência aos maus alunos como “aqueles que questionam, aqueles que se opõem ao professores ou os que o criticam.” Então o que seria ser um bom aluno?
A agressividade em si não é algo que deva ser evitado, nem uma doença que deva ser curada. Ao contrário, pode ser considerada, muitas vezes, como um possibilitador ou indicador de saúde.Porém, quando ela não encontra terreno para desenvolver-se, pode transformar-se em agressão ou em hostilidade, ambos indicadores de risco na aprendizagem e, às vezes, sinais de patologia, esclarece Ferreiro, que indica aos professores uma série de contra-receitas para evitar as situações geradoras de agressão em aula. São elas: 1ª) possibilitar um espaço de aprendizagem no qual os atos agressivos não sejam necessários, pois tais atos tem a ver com o espaço onde se geram; 2ª)dirigir a agressividade para o desafio de conhecer, ao aluno e a si mesmo; 3ª) lembrar que não existem crianças agressivas, assim como não existem crianças hiper-cinéticas, disléxicas, etc. Quando dizemos que um aluno é agressivo, não estamos dizendo que às vezes ou em algumas circunstâncias comete atos agressivos. Há sempre aspectos saudáveis neste ou em qualquer outro aluno, de onde poderá obter energia para sanar seu problema. 4ª) a agressão do aluno é um sintoma que pede ao professor um trabalho interpretativo. É um grito desesperado, um pedido de ajuda, uma mensagem que precisa ser decodificada para que o circuito interminável da culpa - atuação - castigo - mais culpa - mais atuação, cesse; 5ª)frente a um ato agressivo de um aluno, pergunte-se o que o incomoda naquela agressão. Interrompe o processo de aprendizagem da criança?Quem ou o que esta criança agride? Por que agride seu companheiro? Seu companheiro sente-se agredido? A autora alerta-nos que poderemos ter muitas surpresas ao escutar a resposta a esta última pergunta, que é mais importante do que a agressão em si; 6ª)primeiro, falar a sós com o agredido, sem identificar-se com ele. Depois, falar com o agressor, e logo com todo o grupo, procurando, neste, o continente do sentimento de frustração da criança ou do adolescente agressor que deu lugar à agressão. Nunca buscar no grupo um cúmplice para acusar o agressor ; 7ª) falar não é repreender. Falar não é dar conselhos, nem indicações. Falar não é julgar, pré-julgar ou sancionar. Cuide também seu tom de voz e a ênfase que der, pois mesmo que o enunciado não o diga, sua expressão facial, por exemplo, pode denunciar seu julgamento. Temos que nos abrir para o diálogo. A criança é que tem que explicar-se; 8ª) aceitar que cada sujeito que comete atos agressivos é diferente dos outros. Nunca há dois alunos iguais, ainda que seus atos agressivos sejam similares; 9ª) quando uma atuação agressiva já está em ação, é necessário conter ativamente o ato, para depois haver um espaço de elaboração sem culpar o agressor, nem culpabilizar-se; 10ª) o ato agressivo cruel, a atuação agressiva(ferir fisicamente, verbalmente ou por omissão) é um problema que não se resolve com medidas disciplinares proibitivas. Pelo contrário. O reforço negativo ajuda a potencializar o ato agressivo, que pode transladar-se num componente de maior crueldade, no futuro, dirigido aos companheiros, ao meio ou à Escola; para a os conhecimentos ( “alguns tipos de problemas de aprendizagem reativos” têm essa explicação; para dentro, atuando como inibidor do pensamento e da capacidade de aprender (inibição cognitiva);11ª) a criança que comete atos agressivos de forma constante está mostrando um déficit na experiência lúdica, um déficit em suas possibilidades de prover sua “pulsão de domínio”, de forma regressiva, se não estiver mais na fase anal, onde seu “treino” é característico..
Pensemos nisso tudo e também no que disse uma adolescente de uma Escola Municipal de Porto Alegre, transcrito por Fernandez: “Os professores devem saber suportar a agressão de seus alunos e ensinar-lhes outra forma de atuar, porque se eles são injustos, nós, os alunos, nos sentimos agredidos. Têm que pensar que logo esses alunos serão pais e mães e se em casa foram agredidos e na Escola também, eles então seguirão agredindo seus filhos.”

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