quinta-feira, 27 de setembro de 2007

A infância efêmera dos dias atuais necessita das festas das crianças

Gladis Maia

Os presentes que a crianças recebem no Natal e no seu aniversário são símbolos dos presentes dados pelos três reis magos; e os fogos de artifício são símbolos de um novo sol que trará a luz e a alegria da liberdade e uma nova vida, uma esperança que as luzes da árvore de Natal também refletem. Bruno Bettelheim

É muito estimulante perceber que somos o motivo especial de uma comemoração como sentem as crianças no dia de seu aniversário. Faz bem para a alma, marca o presente e prepara-lhe a probabilidade de um futuro mais feliz. Nós humanos, e muitos animaizinhos também, temos necessidade de confirmar a nossa importância, se possível por parte de todo o universo ou, pelo menos, daquelas pessoas que mais significam para nós. As crianças, mais do que ninguém, precisam dessa experiência de aprovação, que é comprovada quando as reconhecemos ao celebrar suas festas infantis, em casa ou na Escola.
Bettelheim, que se dedicou ao estudo e ao tratamento da psique infantil, por mais de meio século, garante que se essas ocasiões são comemoradas com verdadeiro entusiasmo, o brilho desses dias pode espalhar-se por toda a vida do sujeito. A repetição regular dessas festas é a garantia que a criança tem de que continua sendo importante para os pais e professores. As datas festivas pontuam o ano da criança - e assim sua vida - constituindo os pontos altos que devem servir de referência para que organizemos nossa vida e a delas promovendo eventos felizes.
O psicanalista explica que as festas infantis, contém uma característica singular, que as distingue dos outros dias, pois neles a criança é a rainha,ela pode exigir coisas dos adultos, que não lhes são facultadas no dia a dia, pode fazê-los sentir medo delas, como no dia das bruxas, pode fazê-los de bobos, como no dia 1º de abril. Essa inversão de status, somada à conotação mágica desses dias, são razões muito importantes para que sejam datas especialmente significativas para elas. Os professores e pais podem explicar o significado dos feriados, mas o que fica gravado na cabeça da criança é a refeição generosa e o espírito das boas amizades. Ao nível consciente, essas datas são importantes para a criança, principalmente pelos sentimentos ternos despertados nela por toda a festividade, e essa sensação pode revestir de um brilho prazeroso as idéias abstratas relacionadas a essa celebração.Já em nível subconsciente, alguma coisa do que o dia simboliza continuará a exercer sua influência para sempre.
As festas familiares celebradas em torno de um mesa arrumada com uma refeição bem caprichada combatem as maiores ansiedades das crianças, tanto em termos de experiência real, quanto em nível simbólico, A reunião do clã renova a confiança da criança, mostrando-lhe que ela não precisa apoiar-se exclusivamente nos pais. Sua segurança contra o abandono – o medo da privação física e emocional, que habita todos nós quando crianças e, às vezes, pela vida à fora – pode ser ancorada ao perceber que ela não precisa apoiar-se exclusivamente nos pais, pois muitos outros parentes estariam disponíveis em um momento de crise e a protegeriam do abandono. Do mesmo modo a refeição farta oferece segurança contra a ansiedade da fome. Especialmente as datas em que se comemoram nascimentos e renascimentos trazem consigo a esperança inerente desse significado simbólico que continua a repercutir em nós, quer tenhamos consciência disso ou não.
O que é esplêndido em relação à mágica positiva da alegria dos feriados, relata o psicanalista, é que ela pode proporcionar segurança durante todo o ano, quando mais se necessita dela, mesmo sob as piores circunstâncias da vida. As crianças têm conhecimento disto e, sempre que precisam, usam a segurança simbólica que o espírito festivo oferece para proporcionar a si mesmas apoio moral, quando mais desesperadamente necessitam dele.
Uma história de Natal verdadeira contada pela psicanalista sueca Stefi Pedersen, analista de crianças, exemplifica bem o que dissemos. A analista nos conta que quando os nazistas ocuparam a Noruega ela serviu de guia a um grupo de refugiados que atravessou, em pleno inverso, as montanhas da Suécia. Eles tinham que abandonar tudo o que tinham e levar só o imprescindível, porque a subida era muito difícil. Num intervalo para a comida, a psicanalista olhou por acaso dentro da sacola de uma das crianças e entre os poucos objetos encontrou uma pequena estrela prateada, do tipo das que se penduram nas árvores de Natal. Examinou outras sacolas para ver que bens mais preciosos essas crianças tinham levando consigo e, mais uma vez, encontrou sinos feitos de papelão cobertos com brilho prateado. Pedersen concluiu que elas tinham trazido esses símbolos de um passado feliz, porque só eles poderiam lançar uma aura de segurança sobre a angústia que sentiam ao embarcar em uma viagem para o terrível desconhecido. Esses enfeites baratos (pois a maioria das crianças eram de origem judaica, mas criadas em famílias assimiladas que celebravam o Natal como uma festa familiar e, principalmente, infantil, embora não como um evento religioso) atenuavam seus sentimentos de solidão e impotência e ofereciam uma promessa de esperança.
Como podemos ver, provavelmente o significado mais profundo e tranqüilizador do Natal para uma criança constitui-se na lembrança que ficará e poderá sustentar as situações de adversidade. E, porque elas tem consciência disso, no mais profundo do seu ser, é que se agarram à ficção do Papai Noel, que carrega um significado muito especial. Cuidemos então com carinho e magia das nossas crianças, por ocasião da Páscoa, do Natal, do dia da Criança, do seu aniversário e outras datas importantes que vão calar fundo na sua formação e constituição.

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