quarta-feira, 3 de outubro de 2007

A realidade livre da fantasia é vazia, precisamos de espaço para sonhar.

Gladis Maia

Hoje em dia, muita gente sofre porque,em sua vida, os mundos da fantasia e da realidade, que para nosso maior bem-estar devem interpenetrar-se, permanecem separados. Em tempos antigos, quando o mito,a religião e uma série de crenças mágicas eram parte importante da vida (como ainda são, em muitos lugares do mundo atual) essa dicotomia não existia numa extensão tão debilitante. Bruno Bettelheim.

As crianças de hoje em dia não são menos capacitadas para a fantasia do que as de outras gerações. O problema é que atualmente não se concede espaço suficiente para que as fantasias pessoais se desenvolvam, e elas são continuamente violadas pelos produtos de fantasia impessoais e desindividualizados da mídia.Quem não sugeriu ou viu alguém fazê-lo, quando uma criança pequena – ou mesmo consideravelmente maiorzinha, adolescente - que parece perdida em devaneios, que ela usasse seu tempo mais objetivamente? O que não é aconselhável, pois todas as crianças, em todas as épocas, tentam fugir para um mundo de fantasia quando a realidade dói, por um ou outro motivo, mas apenas aquelas que têm sérios distúrbios emocionais tentam refugiar-se nele permanentemente, explica a Psicologia.
Para as crianças normais os jogos de fantasia são uma tentativa de separar a vida interna da imaginação, da vida externa da realidade, e de adquirir domínio sobre ambas.Por intermédio das brincadeiras e de suas fantasias imaginativas a criança pode compensar até certo ponto as pressões que sofre na vida real e as que se originam do seu subconsciente.
A maior importância da brincadeira está no prazer que a criança sente durante seu exercício. Prazer que se transforma no prazer de viver, pois a brincadeira é um excelente ferramenta de aprendizagem. É através dela que a criança se prepara vara viver o futuro e realizar suas tarefas. Crianças que não têm oportunidade de brincar não se desenvolvem intelectualmente a contento, porque se privam do exercício mental. A aprendizagem da perseverança, por exemplo, é facilmente trabalhada com atividades agradáveis, como as brincadeiras livremente escolhidas, sugere o psicanalista Bettelheim.
As atitudes dos pais têm sempre um grande impacto sobre as crianças e no tangente a brincadeira não é diferente. A importância que dão - ou a sua falta de interesse nela - nunca passam desapercebidas, por menores que sejam essas crianças. E não adianta fingir que estamos muito ocupados, é um erro pensarmos que as enganamos... Só quando os pais e os profissionais da Educação Infantil demonstram respeito, tolerância e interesse pessoal é que a experiência lúdica propicia a criança uma base sólida sobre a qual ela possa desenvolver sua relação com eles e, no futuro, com o mundo.
Não é raro que nós adultos nos refiramos a algo que julgamos sem valor como brincadeira de criança... Eis aí a medida do abismo que separa os dois mundos: o infantil do adulto. Medida também do menosprezo deste último pelo lugar importante que a brincadeira ocupa na vida da criança. No entanto a separação do mundo da criança do mundo do adulto é relativamente recente, data do século XVIII. Até recentemente os dois mundos se mesclavam quando crianças e adultos brincavam dos mesmos jogos, quase sempre juntos, em grande parte do mundo. Não precisamos falar que a compreensão era maior não só enquanto brincavam juntos, mas quando se observavam mutuamente participando de uma coisa que era pessoalmente significativa para ambos.
Até um século atrás, a cabra cega, por exemplo, era um jogo favorito para a diversão de todas as idades. Shakespeare refere-se a ele em Hamlet, muitos artistas, inclusive Goya o retrataram e é mencionado por Rabelais como um jogo da família real. A esposa do laureado poeta inglês Alfred Lord Tennyson conta em uma carta que seu marido divertiu-se muito com os colegas William Carlos Williams e Benjamim Jowett brincando de cabra-cega, durante o Natal de 1855.
Parte da diversão do referido jogo e de similares está contida no fato de que eles proporcionam exercícios emocionantes – apesar de seguros – de desorientação e viagens a um mundo de escuridão, mais do que de cegueira. Embora muito apreciado por gente grande, em outros tempos, a maioria dos adultos de nossos dias por certo consideraria aquém de sua dignidade divertir-se brincando de cabra-cega, pois evitam brincar, e, especialmente do que lhes parece ser “pura criancice”.
Como refere Bettelheim, in Uma Vida para seu Filho, este e muitos outros jogos lidam com experiências bastante importantes, e é por isso que crianças e adultos praticaram-nos com grande deleite, durante séculos. Em vários aspectos as relações entre adultos e crianças eram provavelmente muito mais fáceis de se estabelecerem, agradáveis e mais significativas quando ambos participavam dos mesmos jogos, mesmo que o significado para eles não fosse idêntico. Para a criança poderia representar uma exploração ou reconstrução de seu mundo e para o adulto apenas recreação, por exemplo. O fato de brincarem do mesmo jeito dava à brincadeira uma importância especial para as crianças, enquanto permitia aos adultos uma participação íntima nas atividades dos filhos, firmando um laço especial entre eles.
O psicanalista diz que jogos como o da cabra-cega e o de pregar o rabo no burro permitem a criança sentir que pode dominar a sua ansiedade relativa à escuridão. Quando brincamos vendados também colocamos à prova as boas intenções dos outros, pois precisamos nos assegurar que nossos amigos não vão tirar vantagens indevidas, enquanto não podemos ver o que fazem. De modo semelhante, o medo de ficar perdido ou desorientado é outra ansiedade básica da criança pequena. Jogos assim ensinam a criança a enfrentar problemas que são de importância fundamental no aprendizado do mundo. Brincando e aprendendo, uma maneira mais alegre de se viver, deveria ser o lema das escolas, especialmente nas de Educação Infantil, afastando para sempre das crianças a sisudez da alfabetização antes da hora.

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